Deixa Deus entrar
A vida muitas vezes surpreende-nos de tão inconstante que é. Tantas vezes olhamos em frente e parece-nos tudo tão simples, parece-nos como aquelas paisagens em que só vemos uma longa estrada em frente. Pelo caminho descobrimos que não passa de uma miragem e que logo, logo aparece uma curva e descobrimos que a estrada que parecia simples é afinal complicada. Descobrimos que a estrada não é mais em frente, pelo contrário, é cheia de curvas e contra curvas. Descobrimos que afinal nada é como esperamos.
O advento é tempo de nos virar do avesso. É o tempo das questões. É tempo de sacudir o pó do coração e limpar o cotão da alma. É o tempo de voltar-nos mais para Deus. É tempo pensar de onde viemos e para onde Deus nos chama seguir. É tempo de perceber que a vida é tão inconstante como uma música onde nunca sabemos quando muda o ritmo. Precisamos de ir dançando e adaptando-nos ao ritmo. Precisamos de saber que tal como diz Fernando Sabino “de tudo ficaram três coisas:/ a certeza de que estamos começando, /a certeza de que é preciso continuar, /a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar.”
Este caminho é o caminho da travessia de que Pessoa fala: “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” O advento convida-nos a fazer esta travessia. Convida-nos a ir ao cerne de nós e olhar-nos com esse imenso amor que Deus nos tem. É tempo de olharmo-nos e perguntarmo-nos se estamos a seguir o projeto de Deus para nós ou a fugir porque somos frágeis, fracos e incapazes. É tempo de questionarmo-nos se estamos a ouvir Deus falar-nos através de nós ou a seguir o caminho que os outros seguem. É tempo de deixar as dúvidas entrar. É tempo de abrir as janelas do coração e da alma a Deus, deixar que seja Ele que viva em nós e ouvi-Lo.
O Advento convida-nos a abandonar os percursos viciados que nos levam sempre aos mesmos sítios. Convida-nos a reinventar-nos. Convida-nos a lembrar do imenso amor de Deus por nós e deixarmo-nos guiar por ele. Convida-nos a ser peregrinos de nós para preparar o caminho do nosso coração para ser o presépio onde nascerá Jesus.