Rei, herói, génio e feliz. Ou seja: Pai
Uma das experiências mais estranhas que já tive foi quando saí da maternidade com o meu filho recém-nascido nos braços. A sensação era de que a qualquer momento viria um segurança impedir-nos de chegar ao carro. Como era possível deixarem dois jovens completamente inexperientes à solta com uma criatura tão frágil? Ao quarto filho a experiência já não é tão forte, mas nunca nos deixa totalmente.
Não faz grande sentido, de facto. Para caçar precisaria de uma licença; para aprender a conduzir é preciso um curso; até para ser jornalista tenho de preencher determinados requisitos legais. Mas qualquer idiota, por mais inepto que seja, pode ser pai.
E a coisa torna-se mais estranha ainda! Ter carta de condução não faz de mim bom condutor e não é por ter carteira profissional que sou melhor ou pior jornalista, mas salvo raríssimas excepções, mesmo o homem mais básico, mal tem um filho, torna-se automaticamente um especialista ímpar. Querem provas? Perguntem a qualquer criança quem é o melhor pai do mundo, salvo raríssimas e tristes excepções, responderá que é o seu.
E é isso que faz das famílias o grande nivelador social. Queixamo-nos que os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, mas pelo que oiço contar dos mais velhos, muitos dos que hoje consideramos pobres seriam considerados ricos há décadas. Porque será que assistimos a este permanente sentido de insatisfação? A crise da família terá alguma coisa a ver com o assunto?
Apenas posso falar por mim. Quem sabe se eu chegarei alguma vez ao “topo” da minha carreira? E se chegar? Não é por acaso que os únicos jornalistas que aparecem nas listas das grandes fortunas são os que assinam os artigos da revista. Duvido que alguma vez me torne Presidente, (eu que nem sou grande fã da República). Mas nada disso me incomoda!
Em minha casa sou, juntamente com a minha mulher, rei e senhor. Para os meus filhos sou não só o melhor jornalista, como o melhor autor, especialista em desporto, religião, génio de filosofia, política e tantos outros assuntos, para além de herói. Tudo isto com a enorme vantagem de não me permitir corromper pelo orgulho, porque pai que se preze não quererá outra coisa que não ser ultrapassado em todas as suas virtudes pelos seus filhos. É possível ser mais feliz ou realizado que isto? Não creio.
Não me cheguei a apresentar, pois não? O meu nome é Filipe d’Avillez. Sou casado há dez anos e pai de quatro filhos (por enquanto). E sou o homem mais feliz do mundo.
[Por Filipe d’Avillez, Lisboa]