Conto: o MENINO do estábulo de Belém
A cidade estava um alvoroço. A ordem do Imperador para que todos procedessem ao seu recenseamento nas terras natais levou uma multidão a Belém. Para regozijo de comerciantes e estalajadeiros, não havia mãos a medir e tinham que aproveitar ao máximo a presença de tanta gente para compensar os costumeiros escassos lucros.
Judith, com os seus tenros seis anitos, apreciava toda aquela azáfama. Gostava de conhecer pessoas diferentes e metia conversa com todas. Adorava ajudar a mãe a lavar roupa no tanque público e de acompanhar o pai quando ia alimentar os animais ao estábulo situado numa grutinha perto de casa.
Um dia, quando o sol já se despedia da cidade, Judith, no regresso a casa com o pai, por entre muitas outras pessoas, viu um homem a puxar um burrinho com uma senhora grávida em cima. O que mais a impressionou foi aperceber-se que eles batiam a várias portas e pareciam muito cansados, tristes e nervosos.
Puxando pelo braço do pai, apontou para o casal e, arrastando-o para junto deles, perguntou-lhes se precisavam de alguma coisa. O senhor disse:
- Olá… Chamo-me José e o nome da minha esposa é Maria. Chegámos hoje a Belém e ainda não conseguimos arranjar um quarto para passar a noite. O maior problema é que a minha mulher está grávida e a qualquer momento pode dar à luz…
Judith agarrou-se imediatamente ao pai e disse de forma muito determinada:
- Não podemos deixar que este senhor e esta senhora passem ao relento esta noite fria… Apesar de a nossa casa ser pequenina e pobre, eu não me importo de lhes oferecer o meu quarto. Posso dormir, sem qualquer problema, na cozinha…
José e Maria sorriram e ficaram muito sensibilizados com a enorme generosidade da menina mas a senhora respondeu:
- És muito querida e simpática mas só íamos atrapalhar… e, além disso, temos esta burrinha…
Então, o pai da Judith tomou a palavra e disse:
- De forma alguma… isso resolve-se… Eu tenho um curral onde guardo uma vaca, um burro e duas ovelhas. Não é propriamente uma suíte mas está quentinho e podemos improvisar duas camas e um cantinho para a vossa jumentinha.
A Judith saltou de alegria e, enquanto o pai ajudava o senhor a puxar a burrinha, conversava com a senhora. O casal parecia bem mais feliz e aliviado. Iam poder descansar e dormir, depois de uma viagem longa e difícil.
Ao chegarem ao estábulo, prepararam tudo para que o casal passasse uma noite serena e confortável e acomodaram num cantinho, junto aos outros animais, a burrinha que, depois de comer alguma palha, rapidamente adormeceu.
A Judith não cabia em si de satisfação e, quando chegou a casa, atropelava-se nas suas próprias palavras a contar à mãe todos os pormenores das últimas horas. Os pais da menina estavam orgulhosos da filhota.
A verdade é que, depois de um dia cheio de emoções, Judith não conseguia dormir. Não parava de pensar naquele casal que parecia tão especial, tal a humildade e doçura que transbordavam. Não conseguia deixar de pensar que a senhora a todo o momento podia ter o seu bebé e tinha ouvido dizer que as dores de parto eram terríveis. Então, num impulso inexplicável, saltou da cama, agasalhou-se muito bem, pegou nalgumas coisas num saco e, em bicos de pés, saiu de casa e foi a correr em direção à grutinha.
José e Maria ficaram surpreendidos com a chegada inesperada da Judith até porque tinha ido sozinha e estava muito frio naquela noite. A senhora estava deitada e gemia baixinho e o senhor estava muito ansioso e transpirava por todo o lado.
Judith pôs-se ao lado de Maria, afagando-lhe os cabelos e, quando percebeu que ia mesmo dar à luz, foi buscar uma bacia com água, uma toalha e uma mantinha que trouxera de casa e, mesmo sem perceber nada do assunto, colaborou de forma decidida com José nos trabalhos de parto. Judith pegou no bebé e, esbugalhando os olhos para José, disse toda contente que era um rapaz. Então, lavou-o, secou-o e envolveu-o na mantinha e ficou com o menino ao colo por uns momentos antes de o dar à mãe.
Depois, Judith foi buscar uma manjedoura e disse a José e Maria que poderiam pôr ali o bebé pois, naquelas circunstâncias, serviria muito bem de berço e, depois de a mãe lhe ter dado de mamar, assim fizeram.
O calor dos animais da grutinha ajudou a amenizar as baixas temperaturas daquela noite e Judith apercebeu-se que a burrinha do casal se aproximara e os seus olhos pareciam brilhar ao fixar-se no menino recém-nascido. Judith estava eufórica e entoava suaves melodias que conhecia e abanava lentamente a manjedoura para que o bebé dormisse e os pais pudessem comer qualquer coisa.
Judith sentia a felicidade de José e Maria que se olhavam de vez em quando num silêncio amoroso e cúmplice. Disseram-lhe que o menino iria chamar-se Jesus e, de mãos dadas, cantaram baixinho uma canção em jeito de oração.
Aquela noite vestira-se de uma magia singular e Judith olhava para tudo aquilo com uma ternura inefável. Sentia que algo de muito especial estava a acontecer, apesar de não conseguir perceber porquê. Achava aquela noite a mais bonita de todas as noites e conseguia imaginar anjos a cantar, louvando a Deus pelo nascimento daquele menino.
Entretanto, os pais de Judith acordaram sobressaltados ao ouvir pessoas na rua a falar alto e, levantando-se da cama, deram-se conta de que a menina não se encontrava em casa. Ficaram aflitos mas a mãe levantou logo a hipótese de ela ter ido ao estábulo ver o casal que chegara à cidade no dia anterior.
Pelo caminho, cruzaram-se com um grupo de pastores muito alegres que pareciam seguir a mesma direção. Ao chegaram à gruta, espreitaram e as suas suspeitas confirmaram-se mas não se atreveram a repreender a filha.
Os pais da Judith e os pastores entraram em silêncio e todos ficaram comovidos ao ver o bebé que dormia na manjedoura com os pais ao lado e a menina a fazer-lhe festinhas na cabeça. Os animais do estábulo estavam acordados e olhavam serenos para o menino.
Os pastores ajoelharam-se diante do menino e disseram muito baixinho a José e Maria:
- Parabéns pelo nascimento do vosso filho… Ele é lindo… ouvimos dizer que nascera o Messias que há tanto tempo esperávamos… o Deus connosco encarnou e quisemos vir adorá-lo, apesar da hora imprópria. Trouxemos alguns presentes que podem fazer-vos jeito: leite, roupinhas de lã, fruta e mais alguns produtos da terra… O Senhor visitou o seu povo e montou a sua tenda entre nós. Ele veio salvar-nos.
Deveras sensibilizados, José e Maria agradeceram as ofertas. Depois, os pastores, assim como entraram em silêncio, saíram calados. Os pais da Judith e do bebé olhavam-se sem perceber muito bem aquelas palavras mas guardaram-nas nos seus corações.
Com a chegada dos primeiros raios de sol, Judith embalou o bebé e os seus pais alimentaram os animais e limparam o espaço para que Maria e José pudessem descansar um pouco.
Como não se falava de outra coisa pelas redondezas, o dia foi todo preenchido com a visita de pessoas que queriam ver o menino, felicitar os pais e oferecer algumas recordações. Com tamanha azáfama, o menino chorava de vez em quando e, surpreendentemente, só sossegava no colo da Judith.
Quando a noite já se havia debruçado sobre a cidade e a quietude e a tranquilidade tinham regressado ao estábulo, imprevisivelmente, três homens chegaram em cima de camelos. A julgar pelas suas roupas e estilo, pareciam gente sábia e importante e pareciam oriundos de continentes diversos. José e Maria não sabiam bem o que lhes dizer pois aquele não parecia ser o sítio ideal para os receber condignamente mas Judith chamou-os para mais perto do menino. Então, disseram:
- Desculpem estarmos a incomodar-vos mas não podíamos deixar de vir visitar e adorar esta criança que acaba de nascer. Chamamo-nos Gaspar, Belchior e Baltazar e seguimos uma estrela que nos indicou o caminho para chegarmos aqui. Queríamos muito conhecer o Rei que veio até nós para renovar o mundo e salvar a humanidade.
José e Maria estavam sem palavras com tudo aquilo e Judith arregalava os olhos de surpresa e alegria. Mais boquiabertos ficaram quando viram um dos viajantes a oferecer ouro, dizendo que simbolizava a realeza de Jesus, outro a presentear incenso, para representar a sua divindade e o outro a doar mirra para significar a sua humanidade.
José e Maria receberam os presentes e só conseguiam sorrir e dizer ‘obrigado’ vezes sem conta. Depois, despediram-se e, depois de lhes terem contado que haviam visitado o Rei Herodes no seu palácio, aconselharam-nos a ter muito cuidado com ele pois achavam que ele poderia tentar fazer mal ao menino.
Judith ficou de repente muito triste e, depois de dar muitos beijos ao menino, entregou-o cuidadosamente à mãe, dizendo:
- Estamos cansados da maldade dos romanos que invadiram a nossa terra e exploram cruelmente o nosso povo. Vocês devem sair rapidamente da cidade para que o bebé não corra perigo algum.
José e Maria abraçaram a menina e viram nas suas palavras um sinal de Deus para que fugissem dali para bem longe. Não podiam permitir que algo de mal acontecesse ao seu filho.
Então, Judith chamou os pais e contou-lhes o que se estava a passar. O pai diligentemente preparou a burrinha e arranjou uma carrocinha e a mãe improvisou umas malinhas para levarem a roupa e alguns presentes que José, Maria e Jesus haviam recebido.
Já com tudo prontinho para partir, José viu um pinhão no chão e ofereceu-o a Judith, dizendo-lhe:
- Judith, nunca mais nos esqueceremos do que fizeste por nós e pelo menino. Semeia este pinhão e que o pinheiro que vai nascer te recorde o nascimento de Jesus e te convide a olhar para o alto e a invocar o Deus que veio até nós para nos elevar até Ele. E para que seja um pinheiro diferente e fique mais bonito, até o podes decorar…
Depois, Maria apanhou três pedrinhas de diferentes tamanhos e rabiscou rapidamente umas carinhas e umas roupinhas e disse:
- Judith toma estas três figurinhas… Esta pedrinha maior representa o meu marido José. Esta, um pouco mais pequena, representa-me a mim… E esta pequenina representa o menino que ajudaste a nascer. Coloca-as num sítio especial na tua casa. Não te esqueças de nós. Gostava muito que nos voltarmos a encontrar…
A Judith ficou comovida e soltou algumas lágrimas num misto indelével de alegria e tristeza. Voltou a pegar no menino e encheu-o de beijos. O menino agarrou nos seus dedos e parecia não querer sair dali, como que a dizer-lhe que ela tinha sido o melhor presente que recebera em Belém.
Então, enquanto a carrocinha ia mergulhando na escuridão da noite com José, Maria e o menino, Judith, encostando o pinhão e as três pedrinhas junto ao coração, disse aos pais com o maior sorriso do mundo: