Há textos que vão-se sabendo de [...] coração

Há textos que vão-se sabendo de cor, ou seja, de coração. Vão-se entranhando, tornando-se parte de nós. Haverá momentos concretos que, mesmo sendo palavras de outros, são já a nossa exclamação ou interrogação, o nosso grito ou sussurro, a nossa dor ou alegria. Pode ser a letra de uma música, um poema, um texto filosófico ou um versículo ou capítulo de um dos muitos livros bíblicos. 
 
Quando isso me acontece, tento parar em oração e perguntar que me querem dizer essas palavras. Às vezes faz falta mastigar a palavra. Há a já por mais conhecida e repetida passagem de Sto. Inácio de Loyola, que diz, logo ao início dos Exercícios Espirituais: não é o muito saber que sacia a alma, mas sim saborear as coisas internamente. No mundo exigente de velocidade, e muita, é difícil deixar isto acontecer. Falo por mim. Já me vou habituando mais a esses tempos de Deus, para além dos meus. Ainda assim, há sempre a vontade de mais, saber mais, em quantidade, não dando tempo de digerir. Quando era mais novo e comecei a descobrir a espiritualidade tinha de ler tudo, sobre tudo, fazer não sei quantas actividades, quantas mais melhor para viver “tudinho” de Deus. Se calhar até é necessário passar por essa fase, para perceber que com Deus não se ganha prémios por se fazer muitas coisas para o conhecer mais e melhor. Bem, com Deus não se ganha prémios, ponto. De Deus recebe-se dons, como a vida, a descoberta do que significa viver no concreto da realidade própria e, depois, perceber a vontade de dá-la, cada qual na sua vocação. Vai daí ser necessário o tal mastigar da palavra, para bem digerir os que nos acontece na vida. Pode ajudar parar em retiro ou numa actividade formativa para conhecer algo mais de Deus, mas com a medida do saborear, deixando que a riqueza do que se recebe se vá tornando corpo. 
 
É isso. Há textos que vão-se sabendo de cor, ou seja, de coração. Vão-se entranhando, tornando-se parte de nós. Haverá momentos concretos que, mesmo sendo palavras de outros, são já a nossa exclamação ou interrogação, o nosso grito ou sussurro, a nossa dor ou alegria. Pode ser a letra de uma música, um poema, um texto filosófico ou um versículo ou capítulo de um dos muitos livros bíblicos. 

 

[Foto: Steve McCurry]

Paulo Duarte, sj

Cronista

É em caminho. Nesses passos vai procurando e encontrando o Ser Humano. Às vezes perde-se. Tem dificuldade com as definições, pelo perigo de poderem ser demasiado redutoras. Já como jesuíta, licenciou-se em Filosofia (Braga) e em Teologia (Madrid), foi professor e começou a ter aulas de dança (mais em linha contemporânea). Continua em estudos (será que algum dia deixará de aprender?), mais precisamente no mestrado em Teologia Fundamental (Paris). Tem interesse no diálogo, mais precisamente entre a fé e a cultura e que as pessoas sejam. A partir de Julho 2014, além de tentar ser um bom diácono, tentará ser um bom padre. 

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