Viver do passado nem sempre é viver
O passado é, em nós, um filho que nunca deixamos crescer. Fica ali, semeado à beira daquilo que somos sem nunca se afastar. Matamos a nossa sede com o que já cá não está. O passado são águas estagnadas. E as águas estagnadas não são para beber. Que mania terrível. A de viver a vida como se visitássemos um museu. No nosso museu nunca há novidades porque vivemos do que já não existe. Pousamos os dedinhos da memória pelos quadros do que já passou, pelas fotografias do que ficou para trás. Olhamos, depois, para os dedos para descobrir o que sobrou do que já não se pode tocar. Pó. Cinza. Migalhas que se confundem com a realidade.
Como nem sempre cuidamos da vida que nos é suposto viver, teimamos em acarinhar o passado e o que, um dia, fizemos bem. Cultivamos o passado como uma flor rara que, por nunca sair do mesmo sítio, nunca conseguimos colher. Talvez precisemos de um grito do presente, que nos chame e nos leve de novo ao caminho. Jesus é muitas vezes esse grito que nos quer trazer à consciência que o passado já passou. É ele que nos ensina a perdoar vezes infinito. Onde é que isso se aproxima do passado?! Em nada. O perdão é o futuro e é o único futuro possível. Se Jesus tivesse vivido do passado teria vivido a sua vida a recordar as maravilhas e os milagres que tinha feito, escapando à realidade que o atirava para o abismo. Se Jesus continuasse a ver-nos com olhos de passado, chorava-nos os erros e as falhas permanentemente. O passado é inimigo da esperança e dos recomeços. Cada dia que nos acorda é um embrulho feito com papel de recomeço e de esperança. Cada minuto é uma oportunidade de fazer diferente e de fazer melhor. Ser museu e cultivar lembranças não nos ajuda muito a ser felizes. Ajuda-nos, isso sim, a ter pena do que foi e poderia não ter sido e do que não foi e poderia ter sido. A vida não é para receber de cabeça baixa. É para agarrar como quem ama pela primeira vez. É para arrebatar. É para abraçar. É para levar dentro de cada passo que queremos dar. Quem vive do passado acaba por viver inibido, magoado e sozinho. O passado não faz companhia a ninguém. É uma bengala que já não faz caminho. É uma bengala que cegou e por isso não orienta ninguém. A vida pede-nos para viver o presente como aquilo que, na realidade, é. Um presente. Pega no teu embrulho, guarda o que já passou no seu devido lugar e mergulha. Dizem que quando se vive de verdade a vida nunca mais é igual.
[pintura de McKenzie Fisk]