«Sem o domingo não podemos viver!»

Esta foi a resposta de Emérito, diante do pró-consul de Cartago, no ano 304, quando interpelado por estarem a celebrar a Eucaristia apesar das proibições do imperador Diocleciano. Ele e outros 48 cristãos de Abitene, na actual Tunísia, foram torturados e mortos, por quererem celebrar a sua fé. Hoje, na festa do Corpo de Deus, quase nem nos damos conta dos muitos lugares do mundo onde tantos, que vivendo a mesma fé que nós, não se poderão reunir, pelo perigo de morte que isso representa. Com procissão ou sem ela, não celebramos nenhum triunfo mundano, mas a entrega de amor de Jesus, feito alimento para que ninguém tenha fome de Deus.

 

Vivemos num tempo de grandes perseguições aos cristãos e a outros crentes em muitos países. Num recente relatório da Open Doors, uma organização protestante norte-americana, diz-se que 75% da população mundial vive hoje em países com sérias restrições ao exercício da liberdade religiosa. A perseguição aos cristãos chega a “extrema” em alguns países: Coreia do Norte, Arábia Saudita, Afeganistão, Iraque, Somália, Maldivas, Mali, Irã, Iêmen, Eritreia, Síria. Não é a liberdade religiosa um direito humano fundamental consagrada no artigo 18 da Declaração dos Direitos do Homem? E quantos outros continuam a ser atropelados?

 

Esta festa do “Corpo de Deus” (como gostamos de lhe chamar no nosso país) orienta-nos para a centralidade da Eucaristia. E interpela-nos sobre a profundidade, a verdade e a alegria com que a vivemos. Como pergunta José António Pagola, um teólogo espanhol, “não precisa a Igreja no seu centro de uma experiência mais viva e encarnada da ceia do Senhor do que a que oferece a liturgia actual? Estamos certos de estar fazendo hoje bem o que Jesus quis que fizéssemos em sua memória?”. E continua perguntando como é possível ajudar hoje os crentes a viver o que Jesus viveu naquela ceia onde “se concentra, se recapitula e se manifesta como e para quê viveu e morreu”? As “nossas eucaristias” atraem-nos a “viver como seus discípulos ao serviço do reino do Pai”? Celebrar a entrega pascal de Jesus faz-nos perguntar como se vai ela concretizando na vida de cada um de nós, na presença salvadora da Igreja, na coragem do compromisso para que ninguém passe nenhuma espécie de fome. Há sempre o perigo de fazermos “bonitos passeios de Nosso Senhor”, que encantam turistas e basbaques, esquecendo que aquele “em memória de Mim” quer dizer muito mais.

 

Miguel de Unamuno, um pensador espanhol, escreveu em pequenas folhas de papel que cabiam no bolso, durante nove anos, pequenos poemas dos quais partilho um sobre a Eucaristia:
 
 
“Sonhamos a dor
Ou é o sonho
que nos dói?
 
Mói-te no seu moinho
O nosso Dono,
Ó vida.
 
Peito para fazer
Da tua polpa
Farinha.
 
Sonho, pena, saudade,
Muito fina.
 
E pão com a tua flor
De farinha.
 
Porque assim se comunga
O Senhor.”
 
Podemos viver sem Ele?
 

Vítor Gonçalves

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