«Levanta-te!»

Não temos palavras para a morte. Só o silêncio a reveste. E o desprendimento, a dor, a saudade, o sonho desfeito cedo demais. É sempre cedo de mais, porque temos sede de eternidade. E há pequenas e grandes mortes; algumas que se prolongam em vida, como a da mulher que deseja tocar Jesus e ser curada, ou a da menina que Jesus diz estar a dormir. De muitas formas queremos a vida, e criamos beleza que desejamos intemporal, mas habituamo-nos a mortes que se chamam indiferença, preconceito, condenação. Nestes dias, a perda de um amigo, Luís Falcão,  jovem poeta e professor de comunicação e cinema, confrontou-nos de novo com a força das palavras de vida que ele deixou (e todos podemos deixar!) nas nossas vidas. São dele estas que aqui vão: “Queria erguer-te um cântico / Que ressoasse entre os cânticos / Noite fora persegui uma palavra / Um diamante e fogo e silêncio / O amor permanece uma língua bárbara”.
 
Também Jesus não disse muitas palavras sobre a morte. Acedeu ao pedido de Jairo para ir curar-lhe a filha, mandou parar o cortejo fúnebre do jovem filho da viúva de Naim, e chorou diante do túmulo de Lázaro. As palavras que disse foram ordens: “Levanta-te;… Sai para fora!”Têm força de ressurreição. Revolucionam o tempo e anunciam um futuro onde, dantes, só havia escuridão e abismo. Coloca-se ao nível do nosso olhar, assume a dor e o rasgo do coração humano que a morte provoca. Lembra-me a delicadeza com que o realizador Jacques Doillon, no fabuloso filme “Ponette”, de 1996, filmou, ao nível do olhar de uma criança que acabou de perder a mãe num desastre, a inutilidade das muitas palavras sobre a morte, e o anúncio de futuro que a própria mãe lhe faz. Jesus não dá respostas: faz-se resposta!
 
A ressurreição de Jesus, que Ele prometeu a todos os que n’Ele acreditam, é o coração da nossa fé. E é o dinamismo de tudo o que podemos ser e fazer. Chama-se vida nova, com o sabor da eternidade, porque renova, levanta, cura, compromete, entusiasma, anima, e tudo o mais que tem sabor a vida. É tão fácil percebê-la e deixarmo-nos guiar pela sua mão, que até irrita quem o não faz. Os que teimam em ser coveiros do pensamento e do coração, que propagam medos e desconfianças, que olham de cima e se julgam superiores. Diz o povo que “parar é morrer” e tem tanta razão. Pois é quando paramos de amar e de sonhar, de pensar e de aprender, de conhecer e alargar horizontes que a morte se instala! Não será por isso, que todos os que Jesus encontra, perdoa e cura, os “põe a mexer”? Quer dizer, abre-lhes futuros que não existiam e convida-os a percorrê-los!

De duas mortes nos fala o evangelho de hoje. A da mulher que sofria no silêncio e na excomunhão a que estava votada, e a da jovem ceifada na flor da idade. Jesus ressuscita ambas. A primeira, para uma vida nova de comunhão e paz, de fé vivida numa libertação feliz. A segunda, para um futuro de crescimento e jovialidade, traduzido até na delicadeza com que pede que lhe deêm de comer. E reparam como a vida nova se recebe no encontro pessoal com Jesus? Ele, que ver o rosto da mulher de frente e pega na mão da menina! Para Jesus nunca estamos mortos! E se estivermos, Ele faz-nos levantar!      

Vítor Gonçalves

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