Livro da semana: “Paciência com Deus – oportunidade para um encontro”
“Conheço três formas de paciência (mútua e profundamente interligadas) para confrontar a ausência de Deus. São elas: a fé, a esperança e o amor.”
Tomáš Halik face ao seu passado e pelo facto de ter vivido sob um regime que se considerava oficialmente ateu, dá-nos através desta obra, a oportunidade de conhecer um ensaio teológico em que desenvolve um diálogo acerca do encontro com todos aqueles que se encontram nas periferias da Igreja.
A vida pessoal deste autor faz com que a sua abordagem teológica seja diferente do que é habitual, em vez de apresentar respostas feitas, expõe perguntas que convidam o leitor a percorrer um caminho que o leva ao desassossego, das dúvidas, inquietações e do “silêncio de Deus”. Este livro desenvolve a sua exposição à volta da história de Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10) como exemplo daqueles que se encontram à margem do caminho e não no centro. Frei Bento Domingues defende, na sua crónica semanal no jornal Público, que a companhia preferida de Tomáš Halik “é a dos místicosque viveram a noite da fé, mesmo na hora da morte, como Teresinha de Jesus e dos classificados como cépticos, agnósticos e ateus, todos os que encaram a vida como uma viagem ou têm dificuldade em viajar pelos tropeços que lhes lançaram para o caminho.” Na terceira parte da crónica sobre este livro afirma que “O livro Paciência com Deus não pretende ser nenhum manual de viagem. É um testemunho, muito reflectido e documentado, de uma grande peregrinação, atenta a tudo o que encontrou pelo caminho, sem dar lições. Quer ajudar a Igreja a vencer a tentação apologética de dar respostas antes de ouvir e aprofundar as perguntas, mas não só. Procura de mil maneiras, provocar crentes, agnósticos e ateus para o facto de sermos todos companheiros e que a verdade acontece ao longo do diálogo e do silêncio. A amizade também.”
Apresentamos alguns excertos da obra:
Introdução
“[…] estou convencido que amadurecer na própria fé também implica aceitar e suportar momentos – e, por vezes, até longos períodos – em que Deus se mantém afastado ou parece ter-se escondido. O que é óbvio e demonstrável não requer a fé. Nós não precisamos ter fé, quando confrontados com certezas inabaláveis, acessíveis às nossas capacidades de razão, de imaginação ou de experiência sensorial. Precisamos da fé, precisamente, naqueles momentos crepusculares em que as nossas vidas e o mundo estão cheios de incerteza, durante a fria noite do silêncio de Deus. E a sua função não é trocar a nossa sede por certeza e segurança, mas ensinar-nos a viver com o mistério. A fé e a esperança são expressões da nossa paciência, precisamente nesses momentos – e o amor também o é. O amor sem paciência não é verdadeiro amor. Eu diria que isto se aplica tanto ao «amor carnal» como ao «amor a Deus», se não tivesse a certeza de que, na realidade, existe apenas um amor, que, por sua natureza, é único, indiviso e indivisível. A fé – tal como o amor – está inseparavelmente ligada à confiança e à fidelidade. E a confiança e a fidelidade provam-se pela paciência.
Fé, esperança e amor são três aspetos da nossa paciência com Deus; são três formas de reconciliação com a experiência do ocultamento de Deus. Oferecem, por isso, um caminho claramente diferente tanto do ateísmo como da «crença fácil». Em comparação com esses dois atalhos muitas vezes propostos, porém, o seu caminho é, na verdade, bastante longo. […] Além disso, é verdade que, de vez em quando, o rumo também se perde; é uma peregrinação que implica uma constante busca e um perder-se, por vezes. Sim, ocasionalmente, temos de descer ao abismo mais profundo e ao vale de sombras para reencontrar o caminho. Contudo, se o caminho não conduzisse aí, não seria caminho para Deus; Deus não mora à superfície.”
O Eterno Zaqueu (Capítulo 12)
“No crescendo final do seu hino ao amor, São Paulo escreve que o amor é paciente [1 Cor 13, 4]. Sim, e a fé também é paciente, se for realmente fé. Com efeito, a fé é paciência. Assim como o amor por outra pessoa – a sua força e autenticidade – se manifesta e revela na paciência para com o outro, a fé também está presente (embora oculta, implícita e anónima) numa certa forma de paciência frente a todas as dificuldades, agruras e ambiguidades. E é nessa paciência – e talvez acima de tudo no que ela encerra – que a sua força e autenticidade se manifestam.
Sim, talvez a autenticidade da fé se revele mais através da sua paciência do que através do seu «conteúdo» consciente – ou seja, como e o que ela é capaz de dizer precisamente sobre o seu «objeto». «A paciência tudo alcança», nisso acreditava e isso ensinava Santa Teresa de Ávila, outra grande e sábia doutora da Igreja. «Pela vossa perseverança salvareis a vossa vida», diz a Escritura. Hoje em dia, a fé é muito mais apresentada como uma decisão, uma decisão consciente de seguir Cristo – tomada por vezes no ambiente emotivo de manifestações «carismáticas». Contudo, não requer apenas uma decisão, mas também perseverança e paciência frente àquilo que virá mais tarde.”
"How can atheists be embraced by those with faith?" Tomáš Halík, Templeton Prize 2014: