A princesa e os muros

- Bom dia, Forças...
 
- Olá, princesa, o que vamos fazer hoje?

 

- Hoje voltamos ao muro de ontem. Temos de o derrubar.

 

- Olha... serás sempre tu quem decide, mas... por que razão me gastas nestas coisas mínimas? Não seria melhor procurarmos uma forma de contornar esse adversário, sendo que ele só é inimigo porque tu o consideras como tal... afinal, só não cedeu à tua vontade... e sabes, ele é um muro, não tem vontade sequer. Tu gostas demasiado de muros…

 

- Sim. Mas eu preciso de mostrar a mim mesma que sou capaz de cumprir o que imaginei e de acabar o que comecei.

 

- Princesa, o nosso valor depende da capacidade de sermos fiéis a nós mesmos, de sermos constantes nos bons e nos maus momentos.
 
- Isso mesmo. Eu não quero ser como aquelas pessoas que estão sempre a entrar em contradição. Preferem agradar aos outros em vez de respeitar a verdade. Atraem-nos para nos trair.

 

- Claro, mas nem todas as firmezas são boas. A excelência de alguém depende muito de se ir adaptando às circunstâncias. Sempre com humildade, sem nunca querer ser mais forte do que o mundo. A teimosia é uma espécie de maldição para quem a tem!

 

- O que estás a querer dizer? Quem muda de ideias é melhor do que quem mantém sempre as mesmas?

 

- O que julgo é que a tua nobreza dependerá sempre do valor das ideias que escolhes, muito mais do que a tua determinação. Se és fiel a algo insignificante, tornas-te insignificante. Ao contrário, se não desistires de algo valioso, então serás nobre, porque estás a ser fiel a algo nobre.

 

- Eu quero lutar, com tudo, em defesa do que acredito.

 

- Oh minha querida princesa, como preferes gastar as tuas e as minhas forças? São muitas, mas não são infinitas!
 
- Quero que lutes comigo por aquilo em que acredito.

 

- Mas... queres ir longe... poupando, em cada dia, forças que gastaríamos em lutas sem sentido? Ou... preferes que lutemos contra tudo o que se nos oponha, sem sequer pararmos para procurar outros caminhos?

 

- Não estou a perceber...

 

- Preferes desbaratar as forças contra tudo o que se nos oponha ou investi-las naquilo que vale a pena?

 

- Prefiro tentar chegar longe… até porque não gosto de estar sempre no mesmo sítio!

 

- Nós evoluímos, mas apenas enquanto tivermos paciência para aprender. Mantém a tua inteligência atenta e o teu coração aberto.
 
- Como faço isso?

 

- Quando algo te resistir ou se opuser aos teus planos, não cedas à vontade de o submeter e de lhe passar por cima. Não cerres os punhos e os dentes, fechando os olhos e os ouvidos…

 

- Mas…

 

- Aqui não há mas, a tua razão encontrará sempre o melhor caminho para as tuas forças. Ainda que, por vezes, demore muito…
 
- Nem sei o que dizer, Forças...
 
- Pouco importa, princesa! Onde queres ir? Para o muro de ontem?
 
- Não, vamos dar a volta ao muro e ir mais longe! Muito mais longe… para lá do horizonte! Vamos dar a volta ao mundo!!!

 


[ilustração de Carlos Ribeiro]

José Luís Nunes Martins

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