Não ter onde pousar a cabeça

É por esta vida que se chega à outra. Quantas vezes para chegar à luz, à paz, à fonte do bem em nós… temos de passar por caminhos longos, frios e escuros?

 

Viver é difícil, ser feliz, muito mais. É preciso aprender a dar e a aceitar. Compreender que as alegrias e as tristezas fazem parte da nossa essência e que não nos devemos nunca fechar. Cada um de nós é uma fonte de sentido para o mundo, para os outros e para si mesmo. Devemos olhar em frente, para lá do horizonte e seguir adiante. Apesar de tudo. 

 

A felicidade depende de se ser simples. Envolve sofrimento, pela pureza que exige. Nunca se chega à felicidade pelo material, até porque passa por abdicar do que tem menos valor. Ser feliz é ser, não é ter. 

 

Uma vida boa supõe que sejamos capazes de nos deixarmos tocar e influenciar pelo que nos rodeia, sem medo. Da capacidade de ser sensível ao que vem de fora resultam as impressões. 

 

Da mesma forma, quem busca uma vida boa deve ser capaz de se dar ao mundo, entregando o melhor de si, arriscando o ridículo, sem medo. Da capacidade de exteriorizar o que vem de dentro, resultam as expressões. 

 

Impressões e expressões tendem a funcionar de forma harmoniosa, numa espécie de respiração. Animam-se e potenciam-se uma à outra, garantindo uma autêntica experiência vital. A pressão que está na base de ambos os movimentos é a força que transforma uma sobrevivência biológica numa vida humana plena de sentido. Sem ela, aparece uma forma de de-pressão, uma falha grave desta dinâmica essencial onde se conjugam a ex-pressão e a im-pressão. O dar e o aceitar. 

 

Antes de reconhecer sentidos à vida, importa compreendê-la tal como é. Aceitando os desafios em que nos lança… 

 

A morte crava no fundo de cada homem a questão do sentido da vida, ainda que muitos vivam como se ela nem provável fosse! Adiam decisões, tarefas, empenhos, palavras e atos para um outro tempo, para um depois, como se este tempo fosse tão certo como o antes. Não é. 

 

Pode haver um inferno antes da morte, um estado de alma de quem, tendo tido uma vida inteira à sua disposição, escolheu adiar o importante, acomodando-se à fatal rotina das insignificâncias. Depois, já num momento tardio, contemplará de forma triste e demorada a vida que escolheu para si. É aqui, neste tarde demais, sem qualquer hipótese de voltar atrás, que para muitos é tempo de sofrer. Sem des-culpas. Apenas a responsabilidade de quem se rendeu ao medo e abdicou de lutar pela felicidade profunda e duradoura. A única que existe. 

 

Nada está decidido antes do último momento. Há sempre tempo para recomeçar. 

 

Se morrer é certo, ser feliz não... E porque o preço da passividade é superior ao do erro, devemos arriscar a vida pela felicidade, antes da morte, antes do inferno do tarde demais. Com a possibilidade de sermos felizes, tratemos de não ter de ficar para sempre nas torturas da culpa. Com a firmeza de quem sabe que por maior que seja a tragédia, a felicidade depende sempre mais de nós do que das circunstâncias. 

 

Muitas vezes a necessidade de sentido esbarra contra a aparente indiferença da realidade face às nossas questões e desesperos. Resulta óbvio que o mundo não nos responderá nem nos dará nada por pena. Mas é no abismo que nos separa do mundo que somos chamados a construir a resposta. A ser a resposta! A sermos o mundo que falta. 
 
O caminho que traçamos e percorremos leva-nos à morte, mas é através dela que se chega ao infinito que existe para lá. É por esta vida que se chega à outra. Quantas vezes para chegar à luz, à paz, à fonte do bem em nós… temos de passar por caminhos longos, frios e escuros? 

 

Posso não ter onde pousar a cabeça, mas ainda assim, não deixarei nunca de ter a obrigação de sonhar, lutar e ser feliz. Amando. Apesar de tudo.

José Luís Nunes Martins

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