Concílio Vaticano II: o silêncio dos cardeais ao anúncio de João XXIII
Burburinho. Silêncio sepulcral. Nenhum aplauso. Essa foi, 60 anos atrás, a reação dos cardeais ao anúncio de João XXIII de convocar um Concílio. A cena se desenvolveu no mosteiro anexo à Basílica romana de São Paulo Fora dos Muros. O Papa Roncalli encontrava-se acompanhado por seu mordomo, Guido Gusso, testemunha daquele episódio ocorrido em 25 de janeiro de 1959.
Caso curioso
À distância de 60 anos, num videoclipe celebrativo do Vatican News (em italiano), Gusso reevoca algumas curiosidades sobre a desorientação dos cardeais. Alguns – conta ele – perguntavam sussurrando aos colegas o que significava “essa coisa de Concílio”. Outros mostravam preocupação com os custos que uma operação dessa natureza comportaria. “Será um enxugamento do caixa do Vaticano”, sussurrou alguém recordando que poucas semanas antes o Papa havia concedido um aumento do salário dos funcionários da Santa Sé.
O Papa pensativo
Gusso recorda ainda o estado de ânimo do Papa, conhecido também graças ao diário pessoal publicado após sua morte:
“Tudo bem feito”, lê-se. Naquela manhã, porém, Gusso observou que o Papa estava pensativo durante a viagem a caminho da Basílica: “estava como absorvido, contrariamente ao habitual, não falava”. Ao invés, antes de partir, na intimidade de seus aposentos, pediu para vestir os paramentos mais bonitos: “hoje será um dia excepcional – revelou a seu mordomo – porque devo fazer um grande anúncio”.
Viagem no automóvel
Poucas palavras também durante o retorno ao Vaticano. “Não receberam bem essa coisa do Concílio”, limitou-se a observar o Papa. “Tinha entendido que os cardeais eram todos contrários”, acrescenta Gusso.
A reação da imprensa
“O anúncio na Basílica de São Paulo Fora dos Muros deixou os cardeais desconcertados”, reitera o bispo emérito de Ivrea (região italiana do Piemonte) e único padre conciliar em vida, Dom Luigi Bettazzi. Também a imprensa não compreendeu plenamente a notícia, tema abordado no referido videoclipe graças ao testemunho do diretor do “L’Avvenire d’Italia” no tempo do Concílio, Raniero La Valle.
“Não tinha sido nem concluído formalmente o Concílio Vaticano I, encerrado um século antes quando as tropas irromperam pela Porta Pia. E ainda se estava com a teologia do Concílio de Trento. Por conseguinte, como podiam entender um Concílio?”
Um artigo emblemático
O artigo do “L’Osservatore Romano” é particularmente eloquente. “A palavra ‘Concílio’ não se encontra na manchete e nem mesmo no subtítulo da manchete de primeira página. Fala-se de ‘grandes eventos para a vida da Igreja’. Não se deram conta dele, ninguém se deu conta. Mas não podiam dar-se conta, porque não se podia saber o que era um Concílio para a Igreja do Séc. XX que deveria se deparar com o mundo que mudava.”