«A viagem fez-me bem»
Viagem Apostólica a Myanmar e Bangladesh: Entrevista coletiva do Santo Padre durante a viagem de regresso de Bangladesh (2 de dezembro de 2017) | Francisco
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO A MYANMAR E BANGLADESH
(26 DE NOVEMBRO - 2 DE DEZEMBRO DE 2017)
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
DURANTE O VOO DE REGRESSO DE BANGLADESH
Sábado, 2 de dezembro de 2017
Greg Burke
Obrigado, Santo Padre. Antes de mais nada, obrigado. Vossa Santidade escolheu dois países interessantes para visitar, dois países muito diferentes, mas com algo em comum: em cada um deles há uma Igreja pequena mas ativa, cheia de alegria, cheia de jovens e animada por um espírito de serviço a toda a sociedade. Sem dúvida que nós vimos muito, aprendemos tanto, mas interessa-nos [saber] também o que o Santo Padre viu e aprendeu.
Papa Francisco
Boa noite, se nos imaginamos aqui, ou boa tarde, se nos imaginamos em Roma. Muito obrigado pelo vosso trabalho. Como disse Greg, são dois países muito interessantes com tradições culturas muito profundas, ricas. Por isso penso que o vosso trabalho tenha sido muito intenso. Muito obrigado.
Sagrario Ruiz de Apodaca (Rádio Nacional de Espanha)
Boa noite, Santo Padre. Obrigado. Com licença dos meus colegas italianos, faço a pergunta em espanhol, porque ainda não confio no meu italiano, mas, se Vossa Santidade quiser responder em italiano, seria ótimo para todos.
A crise dos rohingya esteve, em grande parte, no centro desta viagem à Ásia. Ontem, no Bangladesh, finalmente designou-os com o seu nome. Teve vontade de fazer o mesmo no Myanmar: designá-los com a palavra rohingya? E que sentiu ontem, quando lhes pediu perdão?
Papa Francisco
Não foi a primeira vez ontem. Várias vezes os nomeei em público, na Praça de São Pedro, durante o Angelus ou nas audiências.
Sagrario Ruiz de Apodaca
Mas nesta viagem…
Papa Francisco
Sim, mas quero assinalar que já se sabia o que eu pensava e o que diria. Todavia a sua pergunta é muito interessante, porque me leva a refletir no modo como procuro comunicar. Para mim, o mais importante é que a mensagem chegue; por isso, procuro dizer as coisas passo a passo e ouvir as respostas, para que a mensagem chegue. Por exemplo – um exemplo da vida diária – um jovem, uma jovem, na crise da adolescência, pode dizer aquilo que pensa fechando a porta na cara do outro, e a mensagem não chega, fecha-se. A mim, interessa-me que esta mensagem chegue. Por isso, vi que, se no discurso oficial [no Myanmar] tivesse dito aquela palavra, ter-lhes-ia fechado a porta na cara. Mas descrevi as situações, os direitos de cidadania, «ninguém excluído», para me ser permitido ir mais além nos colóquios privados. Fiquei muito, muito satisfeito com os colóquios que pude ter, porque, se é verdade que não tive – digamos – o prazer de fechar a porta na cara publicamente, de fazer uma denúncia, tive porém a satisfação de dialogar, de fazer falar o outro, de eu dizer o que pensava e, assim, a mensagem chegou. E chegou de tal modo, que continuou, continuou sempre até desembocar naquele encontro de ontem. Isto é muito importante na comunicação: a preocupação de que a mensagem chegue. Muitas vezes as denúncias, mesmo nos mass-media (não quero ofender), com alguma dose de agressividade fecham o diálogo, fecham a porta e a mensagem não chega. E vós, que sois especialistas em fazer chegar mensagens, compreendeis bem isto.
A senhora pergunta-me o que senti ontem. Aquilo não estava programado, assim. Eu sabia que iria encontrar os rohingya; não sabia onde nem como, mas para mim isso era condição da viagem, e preparava-se a modalidade. Depois de muitos contactos, inclusive com o governo, com a Cáritas, o governo permitiu a viagem destes que vieram ontem. Com efeito, isto aconteceu através do governo, que os protege e lhes dá hospitalidade, e isto é estupendo! Aquilo que o Bangladesh faz por eles é estupendo, é um exemplo de acolhimento. Um país pequeno, pobre, que recebeu 700 mil refugiados... Quando penso em países que fecham as portas! Devemos ser-lhe gratos pelo exemplo que nos deram. O governo teve de mover-se nas suas relações internacionais com o Myanmar, dialogando para conseguir autorizações... Porque estão em campos de refugiados, uma condição especial. Mas, por fim, vieram.
Vinham cheios de medo, não sabiam que fazer. Alguém (não do governo do Bangladesh, mas uma das pessoas que se ocupava dos contactos) lhes dissera: «Cumprimentais o Papa, não dizeis nada». A dada altura, depois do diálogo inter-religioso, veio a oração inter-religiosa; isto preparou o coração de todos nós, religiosamente sentíamo-nos muito abertos. Pelo menos eu sentia-me assim. E chegou o momento de eles virem cumprimentar-me. Em fila indiana: já não gostei disto, um atrás do outro. O pior é que, imediatamente, queriam expulsá-los do palco. Nesse momento irritei-me e levantei um pouco a voz – sou pecador – e repeti muitas vezes a palavra «respeito», respeito. Fiz parar a evacuação, e eles ficaram lá. Em seguida, depois de os ouvir um a um com a ajuda do intérprete que falava a língua deles, comecei a sentir algo dentro de mim: «Não posso deixá-los ir embora, sem dizer uma palavra»; e pedi o microfone. E comecei a falar ... Não me lembro o que disse. Sei que, a dada altura, pedi perdão. Penso que duas vezes, não me lembro.
Entretanto a sua pergunta é: «Que senti». Naquele momento, eu chorava. Fazia de modo que não se visse. Eles choravam também. Depois pensei que estávamos num encontro inter-religioso, mas os líderes das outras tradições religiosas estavam distantes. [Então disse:] «Vinde também vós; estes rohingya são de todos nós». E eles cumprimentaram. Eu não sabia o que dizer mais, porque fixava-os, cumprimentava-os... Veio-me este pensamento: «Todos nós, líderes religiosos, já falamos. Peço a um de vós que faça uma oração, um do vosso grupo». Penso que foi um imã, um «clérigo» da sua religião, que fez aquela oração, e eles também rezaram ali connosco. E, ao ver todo o caminho percorrido, senti que a mensagem tinha chegado. Não sei se correspondi à sua pergunta. Uma parte estava programada, mas a maior parte saiu espontaneamente. Em seguida, já hoje houve – disseram-me – um programa feito por um de vós (não sei se está aqui ou não) o TG1: é um programa longo, longo... Quem o fez, sabes?
Greg Burke
Ainda está no Bangladesh o jornalista do TG1.
Papa Francisco
Em seguida foi repetido no TG4. Eu não o vi, mas viram-no alguns que estão aqui. Uma reflexão vos deixo: a mensagem não chegou só aqui. Vistes hoje a primeira página dos jornais: todos receberam a mensagem. E não ouvi qualquer crítica. Talvez haja, mas eu não a ouvi.
George Abraham Kallivayalil (Deepika Daily)
Espero, Santo Padre, que tenha um grande sucesso esta sua viagem à Ásia, que envolveu dois países. Sabemos que, nesta mesma ocasião, Vossa Santidade teria querido ir à Índia. Qual foi exatamente a razão pela qual a hipótese da Índia foi abandonada nesta viagem? Milhões de pessoas na Índia, incluindo os nossos fiéis, ainda desejam e esperam que o Santo Padre visite a Índia no próximo ano: Podemos esperá-lo na Índia em 2018?
Papa Francisco
Sim, o primeiro plano era ir à Índia e ao Bangladesh; mas os procedimentos revelaram-se muito demorados, o tempo premia e escolhi estes dois países. O Bangladesh permaneceu, mas com o Myanmar. Foi providencial, porque, para visitar a Índia, é precisa uma viagem inteira: deve-se ir ao sul, ao centro, ao leste, ao oeste, ao norte... pelas diferentes culturas da Índia. Espero, se Deus me der vida, poder realizá-la em 2018! Mas a ideia era a Índia e o Bangladesh. Depois o tempo obrigou-nos a fazer esta escolha. Obrigado.
Étienne Loraillère (Kto, televisão católica francesa)
Santidade, trata-se duma pergunta do grupo de jornalistas da França. Alguns contrapõem diálogo inter-religioso e evangelização. Durante esta viagem, o Santo Padre falou do diálogo para construir a paz. Mas qual é a prioridade: evangelizar ou dialogar para a paz? Porque evangelizar significa suscitar conversões, que provocam tensões e por vezes conflitos entre os crentes; então, qual é a sua prioridade: evangelizar ou dialogar?
Papa Francisco
Obrigado. Primeira distinção: evangelizar não é fazer proselitismo. A Igreja cresce, não por proselitismo, mas por atração, isto é, por testemunho. Isto foi dito pelo Papa Bento XVI. Como é a evangelização? É viver o Evangelho, é testemunhar como se vive o Evangelho: testemunhar as Bem-aventuranças, testemunhar Mateus 25, testemunhar o Bom Samaritano, testemunhar o perdão setenta vezes sete. E, neste testemunho, trabalha o Espírito Santo e dão-se as conversões. Mas não somos muito entusiastas com fazer as conversões imediatamente. Se vierem, há um tempo de espera: fala-se, conhece-se a sua tradição... Faz-se de modo que uma conversão seja a resposta a algo que o Espírito Santo moveu no coração, tocado pelo testemunho do cristão. No almoço que tive com os jovens na Jornada da Juventude em Cracóvia – eram cerca de quinze de todo o mundo –, um deles fez-me esta pergunta: «Que devo dizer a um colega de universidade, um amigo, bom, mas que é ateu? Que lhe devo dizer para o mudar, para o converter?» A resposta foi esta: «A última coisa que tu deves fazer é dizer qualquer coisa. Tu vives o teu Evangelho e, se ele te pergunta por que o fazes, podes explicar-lhe porquê. E deixa que o Espírito Santo o atraia». Esta é a força e a mansidão do Espírito Santo nas conversões. Não é convencer mentalmente com apologéticas, com razões... não. É o Espírito que faz a conversão. Nós somos testemunhas do Espírito, testemunhas do Evangelho. «Testemunha» é uma palavra que, em grego, se diz «mártir»: o martírio de todos os dias, o martírio mesmo de sangue, quando acontece... Quanto à pergunta que me fez: Que é prioritário a paz ou a conversão? Quando se vive com testemunho e respeito, faz-se a paz. A paz começa a romper-se neste campo quando começa o proselitismo; e há muitos tipos de proselitismo, mas isto não é evangélico. Não sei se respondi.
Joshua McElwee (National Catholic Reporter)
Muito obrigado, Santidade! Mudo totalmente de tema. Durante a guerra fria, o Papa São João Paulo II disse que a política mundial de dissuasão nuclear era considerada moralmente aceitável. No mês passado, numa conferência sobre o desarmamento, Vossa Santidade disse que a própria posse de armas nucleares deve ser condenada. Que foi que mudou no mundo para o impelir a fazer esta mudança? Que papel tiveram os insultos e as ameaças entre o presidente Trump e Kim Jong-un nas suas decisões? E que diz o Santo Padre aos políticos que não querem renunciar aos arsenais nucleares nem reduzi-los?
Papa Francisco
Eu preferiria – digo-o a todos – que se fizessem primeiro as perguntas sobre a viagem. Mas aqui faço uma exceção, porque o senhor já fez a pergunta.
Que mudou? Mudou a irracionalidade. Vem-me à mente a encíclica Laudato si’, a salvaguarda do mundo criado, da criação. Desde o tempo em que o Papa São João Paulo II disse aquilo até hoje, passaram tantos anos... Quantos? Tens a data?
Joshua McElwee
Em 1982.
Papa Francisco
34 anos. No âmbito nuclear, em 34 anos, foi-se andando sempre mais além. Hoje estamos no limite. Isto pode-se discutir, é a minha opinião, mas opinião convicta: estou convencido disso. Estamos no limite da liceidade de possuir e usar as armas nucleares. Porquê? Porque hoje, com o arsenal nuclear tão sofisticado, corremos o risco de destruir a humanidade, ou pelo menos grande parte da humanidade. Por isso, me apelo à Laudato si’. Que mudou? Isto: o crescimento do armamento nuclear. Não só cresceu, também mudou. São [armamentos] sofisticados e até cruéis; são capazes inclusive de destruir as pessoas sem tocar as estruturas. Estamos no limite; e dado que estamos no limite, ponho-me esta pergunta (não como Magistério pontifício, mas é a pergunta que se põe um Papa): Será lícito hoje manter os arsenais nucleares como estão, ou não será necessário hoje, para salvar a criação, salvar a humanidade, voltar para trás? Repito uma coisa que já disse e que é de Guardini, não é minha. Existem duas formas de «incultura»: primeiro a incultura que Deus nos deu para fazer a cultura, com o trabalho, com a investigação [a pesquisa] e avançar, fazendo cultura. Pensemos nas ciências médicas: tanto progresso, tanta cultura; pensemos na mecânica, em tantas coisas. E o homem tem a missão de fazer cultura a partir da incultura recebida. Mas chegamos a um ponto em que o homem, com esta cultura, tem na sua mão a capacidade de fazer outra incultura: pensemos em Hiroxima e Nagasaki. E isto 60, 70 anos atrás. A destruição. E o mesmo acontece com a energia atómica, quando não se consegue ter todo o controle: pensai nos incidentes da Ucrânia. Por isso, voltando às armas que servem para vencer destruindo, eu digo que estamos no limite da liceidade.
Greg Burke
Obrigado, Santidade. Agora assinalaram-me que as perguntas mudam da viagem para outros assuntos. Por conseguinte, se o Santo Padre quiser dizer algo sobre a viagem...
Papa Francisco
Gostaria de mais alguma pergunta sobre a viagem, porque deixaria a impressão que não foi muito interessante, não é?
Delia Gallagher (CNN)
Santidade, não sei o que me possa responder, mas estou muito curiosa de saber algo sobre o seu encontro com o General Hein, porque, nesta minha estada aqui, aprendi muito sobre esta situação e compreendi que, além de Aung San Suu Kyi, há também este militar que é muito importante na crise e que o Santo Padre encontrou pessoalmente. Que tipo de encontro foi e como conseguiu falar com ele?
Papa Francisco
Sagaz, mas bela a questão. Eu distinguiria entre dois tipos de encontros. Os encontros em que fui visitar as pessoas e os encontros em que recebi pessoas. No caso deste General, ele pediu para falar comigo: recebi-o. Nunca fecho a porta. Tu pedes para falar? – Anda! Falando, não se perde nada, ganha-se sempre. Foi uma conversa interessante. Não posso dizer o conteúdo, porque foi privada, mas asseguro-vos que não negociei a verdade. Fiz de modo que ele compreendesse um pouco que uma estrada, como acontecera nos maus tempos, renovada hoje, não é praticável. Foi um belo encontro, civil; e, também neste caso, a mensagem chegou.
Gerry O’Connell («America Magazine»)
Obrigado, Padre. A minha pergunta é de certo modo um desenvolvimento da questão de Delia. Vossa Santidade encontrou Aung San Suu Kyi, o Presidente, os militares, o monge que cria um pouco de dificuldade; em seguida foi ao Bangladesh, encontrou também o Primeiro-Ministro, o Presidente...; os líderes muçulmanos aqui e os líderes budistas no Myanmar. A minha pergunta: Que leva de tudo isto? Qual é a sua análise de todos estes encontros? Quais são as perspetivas de melhor desenvolvimento no futuro para estes dois países, mesmo considerando a situação dos rohingya?
Papa Francisco
Não será fácil avançar num desenvolvimento construtivo, como não seria fácil para alguém que quisesse voltar atrás. Estamos num ponto em que se devem analisar bem as coisas. Alguém me disse (não sei se é verdade) que o Estado de Rakhine é muito rico em pedras preciosas e que poderiam talvez haver interesses de que a terra fosse um pouco desabitada para se manobrar. Mas não sei se é verdade; são hipóteses que se fazem. Também sobre a África, se fazem tantas... Penso, porém, que estamos num ponto em que não será fácil avançar em sentido positivo, como não será fácil recuar, porque hoje a consciência da humanidade, o facto – e volto aos rohingya – de as Nações Unidas terem afirmado que os rohingya são atualmente a minoria religiosa e étnica mais perseguida do mundo, isto é um ponto que deve pesar sobre quem desejasse voltar para trás. Encontramo-nos num ponto em que, com o diálogo, se pode começar a dar um passo e outro passo, talvez meio passo para trás e dois para a frente, mas sempre como se fazem as coisas humanas: com benevolência, com diálogo, nunca com a agressão, nunca com a guerra. Não é fácil. Mas é um ponto de viragem: faz-se este giro de proa para o bem, ou faz-se este giro de proa para voltar atrás? Mas a esperança, eu não a perco, porque sinceramente, se o Senhor permitiu isto que vivemos ontem e que vivemos de forma mais reservada para além dos dois discursos [oficiais às Autoridades], o Senhor permite uma coisa para prometer outra. Eu tenho a esperança cristã: nunca se sabe...
Valentina Alazraki («Televisa»)
Sobre a viagem, havia uma pergunta que lhe queríamos fazer antes, mas não foi possível. Gostaríamos de saber: um Papa que todos os dias fala de deslocados, refugiados, migrantes... Vossa Santidade queria ir ao campo dos refugiados rohingya? E porque não foi?
Papa Francisco
É verdade, gostaria de ter ido; mas não foi possível. Estudou-se o caso, mas não foi possível por vários fatores, incluindo o tempo, a distância e outros. Mas «veio» uma representação do campo de refugiados... Gostaria, é verdade, mas não foi possível.
Enzo Romeo (Rai)
Santidade, obrigado. Queria perguntar-lhe duas coisas, rapidamente. Uma sobre a globalização, porque vimos, sobretudo no Bangladesh – motivo pelo qual a pergunta está relacionada com a viagem –, que é um país que procura sair da pobreza, mas com sistemas que nos parecem, a nós, verdadeiramente pesados. Estivemos a ver o Rana Plaza, este lugar onde ruiu o prédio usado para as indústrias têxteis: 1100 pessoas morreram, 5 mil feridas, trabalhavam por 60 euros ao dia. Mas, no nosso restaurante, para comer um prato e uma pizza, pagava-se 50 euros. Isto parece incrível. Do que o Santo Padre viu e do que ouviu, pensa que é possível sair deste mecanismo? E a outra coisa é uma que está no pensamento de todos: na questão rohingya, parecia haver a vontade de intervir também da parte dos grupos jihadistas, al Qaeda, Isis, que procuravam – parece – fazer-se tutores deste povo, da liberdade deste povo. É interessante que o chefe da cristandade se tenha mostrado, de alguma forma, mais amigo do que esses grupos extremistas: é justa esta sensação?
Papa Francisco
Começo pela segunda. Havia grupos terroristas que procuravam aproveitar-se da situação dos rohingya, que são pessoas de paz. Como em todas as etnias e em todas as religiões, há sempre um grupo fundamentalista. Nós, católicos, também o temos. Os militares justificam a sua intervenção com estes grupos. Eu não escolhi falar com tais pessoas, escolhi falar com as vítimas dessas pessoas. Porque as vítimas eram o povo rohingya, que por um lado sofria aquela discriminação e, por outro, era defendido pelos terroristas. Que infelizes! O governo do Bangladesh tem uma forte campanha – assim me disseram os ministros – de tolerância-zero ao terrorismo, e não só por esta questão… há ainda outras. Aqueles que se alistaram no ISIS, embora sejam rohingya, são um pequeno grupo fundamentalista extremista. Mas isto é o que fazem os extremistas: justificam a intervenção que destruiu bons e maus.
Greg Burke
E a globalização, a primeira pergunta...
Enzo Romeo
... a propósito da globalização, que pratica preços muito altos, com estas pessoas exploradas por pouco dinheiro...
Papa Francisco
É um dos problemas mais sérios. Falei sobre isso nos encontros pessoais. Eles estão conscientes disso, estão conscientes também do facto de que a liberdade está condicionada, até certo ponto, não só pelos militares, mas também pelos grandes monopólios internacionais. E apostaram na educação; penso que tenha sido uma escolha sábia. Existem planos educacionais... Fizeram-me ver as percentagens dos últimos anos, ver como caiu o analfabetismo. Esta é a opção deles e talvez tenha êxito, porque – segundo afirmam – com a educação o país melhorará.
Jean-Marie Guénois («Le Figaro»)
Boa noite. Desta vez visitou o Myanmar, o país donde vem; antes dele, Vossa Santidade foi à Coreia, às Filipinas, ao Sri Lanka. Dá a impressão que está a contornar a China... Então, duas perguntas sobre a China. Está em preparação uma viagem à China? E a segunda pergunta: Que aprendeu, nesta viagem, sobre a mentalidade asiática e também em vista deste projeto sobre a China? Que lição tirou?
Papa Francisco
Repita, por favor! Quantas coisas eu aprendi nesta viagem...
Jean-Marie Guénois
...para este projeto sobre a China. Quais são as coisas que aprendeu sobre a Ásia desta vez? Porque dá a impressão que o Santo Padre gira em torno da China, mas a China permanece fechada, por enquanto...
Papa Francisco
Pôr os pés na China... Hoje, a Senhora Conselheira de Estado do Myanmar foi a Pequim. Vê-se que dialogam... Pequim tem uma grande influência na região, como é natural: o Myanmar compartilha não sei quantos quilómetros de fronteira; nas Missas também havia chineses vindos de lá. Penso que estes países que circundam a China – também o Laos, o Camboja – precisam de ter boas relações, são vizinhos. E isto considero-o sábio, politicamente construtivo se se pode avançar. Entretanto é verdade que hoje a China constitui uma potência mundial: se a olharmos deste lado, pode mudar o panorama. Mas isso hão de ser os politólogos a explicar-no-lo. Eu não posso, não sei. Mas parece-me natural que tenham um bom relacionamento.
A viagem à China não está em preparação, podeis estar tranquilos! Por enquanto, não está em preparação. Mas, ao regressar da Coreia, quando me disseram que estávamos sobrevoando o território chinês e perguntaram-me se queria dizer qualquer coisa, [disse] que gostaria muito de visitar a China. Gostaria, não o escondo. As negociações com a China são de alto nível cultural: por exemplo, nestes dias, há uma exposição dos Museus do Vaticano na China, depois haverá uma – ou houve uma, não sei – dos museus chineses no Vaticano. Temos as relações culturais, científicas, os professores, sacerdotes que ensinam na universidade estatal chinesa... Isto é um ponto. Depois temos o diálogo político, relativo sobretudo à Igreja chinesa - com o caso da Igreja patriótica e da Igreja clandestina –, que se deve realizar passo a passo, com delicadeza, como se está a fazer. Lentamente. Penso que, nestes dias (hoje ou amanhã), começará em Pequim mais um encontro da Comissão Mista. E isto, com paciência. Mas as portas do coração estão abertas. E penso que fará bem a todos uma viagem à China. Eu gostaria de a fazer...
James Longman («Abc News»)
Peço desculpa, mas não falo italiano. Obrigado pela possibilidade de viajar no seu avião: para mim, é a primeira vez. Gostaria de lhe perguntar se notou a grande quantidade de críticas feitas a Aung San Suu Kyi. Que pensa das críticas que lhe foram feitas por não se ter pronunciado explicitamente sobre a questão dos rohingya?
Papa Francisco
Ouvi tudo isso, ouvi também as críticas, ouvi a crítica de ela não ter ido à província de Rakhine. Depois foi... esteve lá meio dia, mais ou menos. No Myanmar, é difícil avaliar uma crítica sem se pôr a questão: era possível fazê-lo? Ou então: Como será possível fazê-lo? Com isto, não quero dizer que não foi um erro não ir; mas no Myanmar a situação política... É uma nação a crescer, politicamente em crescimento; é uma nação em transição que tem muitos valores culturais na sua história, mas politicamente está em transição. E, por isso, as possibilidades devem avaliar-se também sob esta perspetiva. Neste período de transição, seria possível ou não fazer isto ou aquilo? E ver se foi um erro, ou não era possível. E não só para a Senhora Conselheira de Estado, mas também para o Presidente, os deputados, o Parlamento... No Myanmar, deve ter-se sempre presente a construção do país. Lá faz-se como eu disse ao princípio: dois passos em frente, um para trás, dois para a frente, um para trás... a história ensina-nos isto. Não sei responder doutra forma, com os poucos conhecimentos que tenho sobre a situação. E não gostaria de cair naquilo que fazia um filósofo argentino: era convidado a fazer conferências em países da Ásia, demorava-se lá uma semana e, quando voltava, escrevia um livro sobre a realidade daquele país. Isto é ser presunçoso.
Phil Pullella (Reuters)
Gostaria de voltar sobre a viagem, se for possível. Originariamente o encontro com o General estava previsto – penso – para a manhã de quinta-feira e, se não me engano, com os restantes generais; devendo Vossa Santidade ver primeiro Aung San Suu Kyi. Pedindo o General para ver o Santo Padre antes, ou seja, no dia da chegada, não lhe parece que foi um modo de dizer: «Aqui mando eu, o Santo Padre deve ver primeiro a mim»? Naquele momento, não sentiu que ele ou eles talvez quisessem manipular Vossa Santidade?
Papa Francisco
Eu compreendi [o caso]. O pedido foi feito porque ele devia partir para a China e, quando sucedem estas coisas, se eu puder deslocar o encontro, faço-o. Quanto às intenções, não as conheço. A mim interessava-me o diálogo: um diálogo pedido por eles e que seriam eles a vir ter comigo; não era prevista a minha visita. Penso que era mais importante o diálogo do que aquilo que o senhor suspeita: «Aqui mandamos nós, somos os primeiros».
Phil Pullella
Posso perguntar – embora Vossa Santidade tenha dito que não pode revelar o que se disse durante os encontros privados – mas posso perguntar pelo menos se, durante aquele encontro com o General, usou a palavra «rohingya»?
Papa Francisco
Usei as palavras para fazer chegar a mensagem e, quando vi que a mensagem era recebida, ousei dizer tudo o que queria dizer. Intelligenti pauca.
Um jornalista
Boa noite, Santidade. Tenho uma pergunta: ontem, quando estivemos com os sacerdotes que foram ordenados, pensei se não teriam medo de ser padres católicos neste momento da vida católica do país, e pergunto se pediram, a Vossa Santidade, como fazer quando chega o medo e não sabem que fazer.
Papa Francisco
Desde sempre tenho o hábito de, cinco minutos antes da Ordenação, falar com eles privadamente. Pareciam-me serenos, tranquilos, convictos, conscientes da missão, pobres, normais. Uma pergunta que lhes fiz foi esta: «Jogais futebol?» – «Sim»… todos! Isto é importante. Uma pergunta... teológica! Mas, quanto a ter medo, não me dei conta. Eles sabem que devem estar perto, muito perto do seu povo; sentem que devem estar unidos ao povo, e disso gostei; gostei disso. Depois falei com os formadores, com qualquer bispo que me disse: antes de entrar no Seminário, faz-se um pré-seminário para aprenderem tantas coisas, criarem hábitos, para aprenderem perfeitamente também o inglês. Digo isto como exemplo de algo prático: se não conhecem o inglês, começam no Seminário, de tal modo que a Ordenação não é aos 23 ou 24 anos mas aos 28 ou 29 mais ou menos. Parecem crianças, porque todos eles parecem muito jovens, mesmo os mais velhos. Vi-os seguros. Isto, sim, tinham-no: permanecer junto do seu povo. Isto, sim. E fazem questão disso! Porque cada um deles pertence à sua etnia, e orgulham-se disso. Obrigado.
Agradeço-vos; dizem-me que passou o tempo. Agradeço as perguntas, agradeço tudo o que fizestes.
E que pensa o Papa da sua viagem? A mim, a viagem faz-me bem quando consigo encontrar o povo do país, o povo de Deus. Quando consigo falar-lhe, encontrá-lo ou saudá-lo: encontros com as pessoas. Falamos dos encontros com os políticos... Sim, é verdade que se devem fazer; com os sacerdotes, com os bispos... mas também com a população, com o povo. O povo que constitui precisamente a realidade profunda dum país. O povo. E, quando o encontro, quando consigo encontrá-lo, então sou feliz. Agradeço-vos imenso a vossa ajuda. Muito obrigado.
E obrigado também pelas perguntas, pelas coisas que aprendi com as vossas perguntas. Obrigado. Bom jantar.
Greg Burke
Obrigado, Santidade. Bom descanso.