Religião: os jovens portugueses acreditam em Deus?
Rafaela Jacinto vestia a pele de Santa Perpétua quando foi atacada por um touro, durante a filmagem da longa‑metragem Pathos (quase a estrear). Foi há três anos, na véspera do seu 21º aniversário. O acidente, tão grave que poderia ter‑lhe custado a vida, fê‑la, devido a um conjunto de coincidências, reaproximar‑se da Igreja, com a qual se tinha zangado anos antes.
A atriz passou a fazer parte dos 57 por cento de jovens que se identificam com o cristianismo em Portugal, segundo o relatório Europe’s Young Adults and Religion, publicado pelo Centro de Religião e Sociedade Bento XVI, da St Mary’s University, em Londres.
Quanto a Portugal, o relatório é claro. Tal como na Polónia, na Irlanda, na Eslovénia, na Áustria e na Lituânia, a religião ainda tem um peso significativo (assente quase por completo no catolicismo), contrariamente à maioria dos países europeus analisados.
Os dados, recolhidos pelo European Social Survey, entre os anos 2014 e 2016, compilaram o comportamento dos jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 29 anos, em 22 países europeus, e traçam o retrato da dimensão e da prática religiosa nessa faixa etária que, no geral, mostram um claro afastamento da Igreja. Serão números certamente úteis para ser discutidos no próximo Sínodo dos Bispos, agendado pelo Vaticano para outubro, e que versa precisamente o tema da juventude.
Quanto a Portugal, o relatório é claro. Tal como na Polónia, na Irlanda, na Eslovénia, na Áustria e na Lituânia, a religião ainda tem um peso significativo (assente quase por completo no catolicismo), contrariamente à maioria dos países europeus analisados.
Para Helena Vilaça, docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e investigadora do Instituto de Sociologia da FLUP, o estudo «mostra as tendências gerais», mas «não o que está a acontecer no terreno».
Nos dias que correm, «o facto de os pais terem batizado os filhos e de eles terem ido à catequese já não significa que haja uma identidade para a vida toda». Ou seja, apesar de «o catolicismo ainda estar bem enraizado dentro da cultura portuguesa», os dados podem indicar que estaremos «a seguir a tendência europeia».
«Deve ser tão natural ter uma religião como mudar, como não ter. As relações humanas têm de ser pautadas pelo respeito», defende Paulo Mendes Pinto.
E assim se compreende porque é que no ano de 2014, quando foram recolhidas as informações no nosso país, incluídas agora neste estudo, 42 por cento dos jovens tenham afirmado que não se identificavam com nenhuma religião. Mas afinal o que os aproxima e o que os afasta de Deus?
A nossa sobrevivente tem uma resposta. Antes da violenta revelação a que foi sujeita, seguia a vontade da mãe, católica. Rafaela foi batizada, andou na catequese e quase fez o crisma. Só não prosseguiu porque foi assaltada por grandes dúvidas.
«Fiquei chateada com os padres e com toda a gente e comecei a desenvolver um pequeno ódio pela Igreja Católica.» Que preservou até ser convidada a participar em Pathos, um filme sobre o caminho de quatro mulheres que de alguma forma deram um contributo à história espiritual do mundo. A Rafaela tocava‑lhe Santa Perpétua, mártir cristã do Império Romano, condenada à morte na arena, a terrível damnatio ad bestias.
A cena que lhe mudou a vida colocava‑a no mesmo espaço que um touro, amarrado. Não era suposto haver qualquer contacto com o animal. Mas o inesperado aconteceu. A «besta» soltou‑se, avançou sobre Rafaela, espetando um dos cornos na sua anca. A luta durou escassos minutos até que alguém conseguiu agarrar‑lhe a mão e puxá‑la do calabouço.
«Senti muito preconceito quando disse aos meus amigos que era cristã», diz Rafaela Jacinto. O verniz do Portugal tolerante estala quando há confronto com a diferença.
Já nada voltaria a ser igual, conta ela: «Durante o ataque foi muito estranho, em vez de desmaiar tive uma epifania… Foi o início de tudo. Não acho que tenha sido uma encarnação, mas foi uma espécie de abrir de olhos. A minha primeira reação, enquanto não crente, não foi de revolta. Foi exatamente o contrário. Disse‑Lhe: “Obrigada, não era preciso teres mandado um touro, mas já percebi que é isto que estava planeado para mim”.»
Depois, aconteceu tudo como uma queda hipnótica de peças de dominó. «Na história de Santa Perpétua, ela andava sempre com outra santa, a Felicidade. No hospital, a pessoa que estava à minha frente era uma senhora chamada Felicidade. No diário de Santa Perpétua é relatado que ela foi atacada na anca e foi na anca que eu fui atacada. A idade que ela tinha quando o episódio aconteceu coincidia com a que eu tinha na altura.» Estava feita a conversão.
Quando o perigo passou, Rafaela interpretou Simone Weil, outra das personagens do filme, sobre a qual leu fervorosamente. «Comecei a procurar entender porque estava neste caminho, porque tinha sido atirada para isto tudo, e fiz uma peregrinação a Santiago de Compostela. Fui com um grupo de jovens da paróquia a que supostamente pertencia, mas da qual me tinha afastado.» Foi «na rebeldia, de ficar um bocadinho à parte». Acabou por se confessar e por ir à missa, coisas que não aconteciam há sete anos. Mas este tem sido o caminho de pedras.