Morrer com o terço na mão
Estava ajoelhado no chão, perto da igreja, quando soldados dispararam contra ele. Três vezes. Ninguém consegue compreender porque razão o mataram. Gerard Anjiangwe tinha apenas 19 anos de idade. O jovem seminarista sonhava servir a Igreja do seu país. As aulas iam recomeçar no dia 12 de Outubro. Foi assassinado oito dias antes.
Todos sabem a que horas mataram Gerard Anjiangwe. No dia 4 de Outubro a Missa na Igreja de Santa Teresa, na aldeia de Bamessing, tinha acabado às 9:30, como sempre, quando surgiu ao fundo da rua um camião militar cheio de soldados. É preciso aqui fazer um pequeno parêntesis para explicar a crise que está afectar este país africano. Os Camarões são um país independente desde 1961 com duas comunidades divididas pela língua, consequência ainda do passado colonial. Desde há muitos anos que a comunidade anglófona queixa-se da forma subalterna como o poder, que sempre falou francês, olha para si. O ano de 2016 marcou o início de uma onda de protestos. Começam a registar-se confrontos entre forças da ordem e grupos militantes que procuram a independência. O exército tem sido muito agressivo na repressão deste movimento, contando-se já mais de 500 mortos e cerca de 200 mil deslocados. Voltemos ao dia 4 de Outubro. Quando o camião surgiu ao fim da rua, todos os que estavam no adro da igreja sentiram medo. E tinham razão para isso. Alguns soldados começaram a encaminhar-se para lá, aos tiros. O pânico instalou-se. Atemorizados, os fiéis refugiaram-se na sacristia, bloqueando a porta, mas Gerard decidiu ficar onde estava. Ajoelhou-se no chão e começou a rezar o Terço. Os militares tentaram entrar na igreja mas não conseguiram. Então, aproximaram-se de Gerard, que estava debruçado no chão, e disseram-lhe para se levantar. Ele obedeceu. Instantes depois, os soldados obrigaram o seminarista a ajoelhar-se de novo no chão da rua. Foi então que se escutaram três estrondos. Três tiros. Dispararam três vezes no pescoço de Gerard e ele morreu instantaneamente.
Insegurança
A Igreja local já veio proclamar que Gerard é “um mártir da crise anglófona”, que está a conduzir o país para o espectro da guerra civil. O assassinato de Gerard trouxe raiva e desespero à comunidade cristã e alimentou ainda mais os ânimos dos que olham para os responsáveis do poder, e que falam francês, como inimigos. D. Michael Bibi, Bispo-Auxiliar de Bamenda, não esconde o receio do que possa vir a acontecer. Em declarações à Fundação AIS, já depois do assassinato do seminarista, D. Michael lembra que este foi apenas um episódio de violência e que a insegurança é um fantasma presente em todo o lado. “Quase todos os dias na região onde predomina a língua inglesa há tiros disparados tanto, pelos militares como pelos militantes independentistas”, afirma D. Michael. E depois, como se houvesse já um clima de guerrilha, “as estradas estão constantemente bloqueadas, as pontes são destruídas… Nalguns dias as estradas estão abertas, mas noutros não.” Cerca de 200 mil pessoas fugiram já de suas casas. Têm medo. Na Diocese de Bamenda, todos procuram ajudar estas famílias que estão agora de mãos vazias. Roupa, comida e medicamentos são os bens de primeira necessidade que a Igreja procura distribuir numa rede de solidariedade que conta já com o apoio directo da Fundação AIS. O Bispo-Auxiliar de Bamenda agradece essa ajuda mas faz ainda um pedido especial dirigido aos amigos da AIS em todo o mundo: é um pedido de oração. “Nestes tempos tão difíceis, peço à AIS que reze por nós para que esta crise possa resolver-se o mais depressa possível. O número de vidas humanas que se perderam é já muito alarmante…” No St. John Mary Vianney Center, em Bafut, há agora uma cadeira vazia. As aulas começaram no dia 12 de Outubro, mas Gerard Anjiangwe nunca mais vai voltar à escola. Tinha o sonho de ser padre. Acabou por conhecer o martírio aos 19 anos de idade. Morreu com o terço na mão.