Dia Mundial da Criança pelo padre João Aguiar campos
Hoje levantei-me mais cedo; mesmo antes de o avô Aguiar fazer ranger a porta do corredor e, com um único chamamento, acordar toda a casa: «A pé, minha gente, que temos de fazer alguma coisa pela fresca!...»
Vi, por isso, a primeira luz do dia a entrar, ainda envergonhada, pelas janelas de pau, empenadas da idade. Corri, depois, para a janela de baixo, mesmo a tempo de ver o primeiro voo das pombas da Albertina, às voltas nos canastros antes de regressarem à Geira.
Hoje não perguntei «que roupa visto?». Vesti os calções de ontem, com a alça da esquerda a apertar no botão do meio, atravessando o peito – que o seu caiu algures no meio de uma brincadeira, quando jogava à lipa em Fijogo. E como ficam bem estes calções, com a fralda mal metida a escapar-se de um lado!... O costume; de modo que, mais logo, a mãe há-de dizer «anda cá, meu filho, que pareces um molho de brócolos, todo desajeitado; e eu não te quero assim».
Da boina não gosto, mas tem de ser. Ao menos vai servir para o desafio «a ver quem atira mais longe!» -- o nosso boomerang de pano nas brincadeiras descalças, apenas interrompidas para tirar um pico, com a língua de fora e um «esperai por mim» na pressa dos outros.
Já puxei, entretanto, as mantas aos rapazes e eles ameaçaram: «minha mãe, olhe o João». «Não comeceis já!» -- pediu a mãe, acrescentando: «vou já saber quem rezou as orações da manhã»…
Isto lembrou-me o Santo Anjo da Guarda; mas, como sempre, parei a perguntar-me: «é rege, guarda e ilumina, ou tem também aqui um governa?... Oh, ele sabe o que há-de fazer!..». Por isso, «eu já rezei!...».
Amanhã é primeira sexta. Os grandes vão confessar-se. Com alguma habilidade, tenho esse tempo para brincar, antes da missa e da mãe me ajoelhar à sua frente, não me deixando sentar nos calcanhares: «Põe-te direito, João, e não me olhes mais para trás!...». Outro dia, o Padre Monteiro quase se enganou: depois de dar a comunhão à minha mãe, ainda estendeu a mão na minha direcção. Eu espreitava na esquina do cotovelo materno quando ele fez uma cruz macarrónica numa frase esquisita (dizem que é Latim), que a mãe parou a meio, pondo-me a mão na boca. Caramba, que foi por pouco!...
Mas sexta-feira é amanhã. Hoje é quinta: é dia de a Conceição do Perneta vir do Gerês, trazendo o trigo que vai dar outro sabor à cevada da manhã de domingo… Sinto-me a «lamber as barbas», por antecipação – esquecendo que o pequeno almoço de hoje é uma água de unto, tirada do pote de ferro que há bocado começou a cozer os feijões do almoço. Bem quentinha e com broa assada, lá tem que ser!...
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Nada disto aconteceu hoje. Mas é pena. Eu queria assim o meu Dia da Criança!...
[Texto de ©João Aguiar Campos]