Sete anos de Papa, Francisco serviu

Notícias 13 março 2020  •  Tempo de Leitura: 11

13 de março de 2013. Jorge Bergoglio é anunciado ao mundo como o 266º Papa da Igreja católica. Poucos daqueles que enchiam a Praça de São Pedro conheciam o cardeal argentino, mas ele fez questão de se apresentar de uma forma bem direta: veio “do fim do mundo”, disse como cartão de visita. E veio mesmo. A Roma dos Papas é diferente dos gostos e dos hábitos de Francisco, que fez sempre questão de andar de transportes públicos, rezar junto dos mais pobres, celebrar missas nos bairros de lata. Na Cúria, é tudo ao contrário. O luxo é uma arte que se cultiva há séculos e muitos dos mais destacados cargos da Igreja fazem questão de se comportar como autênticos príncipes da Renascença, vivendo em palácios sumptuosos, vestindo-se com trajes ostensivos e circulando com uma autêntica corte.

 

O choque entre Francisco e Roma foi imediato. No dia seguinte ao conclave que o elegeu, o Papa fez questão de sair a pé do Vaticano para ir até perto da Piazza Navona para fazer o check out do quarto que tinha alugado. Telefonou para o dono do quiosque, em Buenos Aires, cancelando a encomenda diária dos jornais. Usou um carro velho e gasto para se deslocar à Basílica onde, sozinho, se propunha rezar. Recusou os aposentos papais na ala principal do Vaticano e instalou-se na Casa de Santa Marta, junto de outros “irmãos e irmãs”.

 

Poucos dias depois, arriscou sair à rua para ir a uma loja mudar de óculos. E, aí, terminou a sua tentativa de continuar a ser um “homem comum”. A presença do Papa numa rua de Roma movimentou milhares de pessoas e provocou o caos no trânsito. A segurança – do Vaticano e das autoridades italianas – entrou em colapso e Francisco percebeu que o (seu) mundo tinha mesmo mudado.

 

Mas, se Bergoglio foi obrigado a mudar, a Igreja também já não é a mesma desde que o Papa argentino chegou ao Vaticano. As marcas de Francisco estão, aos poucos, a cravar-se nos caminhos da Santa Sé e, se é certo e sabido que não se muda Roma e Pavia num dia, há já algumas alterações visíveis. São marcos de Francisco, num balanço dos seus sete primeiros anos de pontificado. Vejamos se vieram para ficar.

 

Uma nova imagem do Papa

 

“Eu sou um pecador. Esta é a (minha) melhor definição”, disse Francisco, na primeira entrevista que deu. E deu várias, o que já de si é uma novidade no universo dos Papas, onde o lema sempre foi manter os jornalistas à distância necessária. Esta dessacralização da figura do Sumo Pontífice é conseguida diariamente por Francisco: por um lado pela proximidade, com os jornalistas. Por outro, por mostrar o seu lado mais humano, apresentando-se como um Papa que também erra, também se zanga e também tem desejos tão simples como o de “sair à rua e ir a uma pizzaria”.

 

“Ele é muito disponível, tem isso na cara, é muito impressionante”, disse Aura Miguel. Esta jornalista da Renascença e mais antiga vaticanista portuguesa pediu diretamente uma entrevista a Francisco, no meio de uma das muitas viagens papais que acompanhou. “Até nos esquecemos que é o Papa”, diz Aura, que aproveitou o momento certo e recebeu um inesperado aval para uma conversa no Vaticano, que sempre imaginou poder ter, mas jamais tinha conseguido, fosse com João Paulo II ou com Bento XVI.

 

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Missa da Páscoa de 2014, no Vaticano Foto getty

 

A simplicidade com que Francisco se apresenta ao mundo – com os símbolos papais mais simples possíveis, seja nas vestes, seja no anel ou na cruz que traz ao pescoço – é também uma marca que pode ficar no Vaticano. A ordem para ser humilde e despojado é para valer. E, de preferência, para replicar por todos os membros ao serviço da Igreja.

 

Novo rosto da Igreja

 

Uma Igreja mais próxima dos mais frágeis, mais ativa e mais compreensiva. É esse o lema que o Papa usa para si e quer ver replicado entre o seu rebanho. Não é por acaso que a sua primeira viagem pastoral tenha sido precisamente a Lampedusa, para falar aos refugiados e “chorar os mortos que ninguém chora”. Ou que, na sua primeira Quaresma, tenha ido a uma prisão lavar os pés dos reclusos. Os sinais de Francisco são mais que muitos, mas do interior da Igreja surgem inúmeras resistências. Há muitos anos que um Papa não era tão publica e diretamente criticado como Francisco está a ser e mesmo o movimento dos cardeais mais conservadores pedindo a renúncia de Francisco por alegada heresia - a pior acusação que pode ser feita a um responsável religioso – mostra bem que as tentativas de trazer a Igreja para a Terra está longe de ser pacífica.

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O Papa em Lampedusa, na sua primeira viagem pastoral, para falar com refugiados e “chorar os mortos que ninguém chora” Foto getty

 

O Papa não conseguiu levar em frente, por exemplo, o simples compromisso da Igreja em adotar “uma linguagem mais acolhedora” para com os homossexuais. E as tentativas de tornar mais acessível o acesso dos recasados à Eucaristia conhece resistências internas poderosíssimas. Já o último sínodo da Amazónia foi bem disso exemplo: os participantes reclamavam maior abertura, nomeadamente para a consagração de homens casados ou do acesso das mulheres a funções eucarísticas, mas Francisco acabou por abandonar grande parte dessas apostas.

 

A convicção de Francisco em levar em frente as suas reformas – seja do interior da Igreja, seja na perspetiva da sua ação evangelizadora – obriga-o muitas vezes a subir o tom do discurso. “Não devemos reduzir o seio da Igreja universal a um ninho protetor da nossa mediocridade”, disse numa das suas primeiras entrevistas. Já acusou diretamente os bispos de terem “os corações fechados”e “as cabeças enterradas na areia”. E aproveitou um dos seus primeiros Natais em Roma para dar um grande raspanete à Cúria, denunciando os 15 pecados ou doenças graves que atingem a Igreja e que, sem dúvida, deixaram muitas orelhas a arder. Até hoje…

 

Limpar as contas, punir os pedófilos

 

Duas heranças pesadíssimas, como os escândalo da pedofilia no interior da Igreja ou das finanças do Vaticano, são matérias que escaldam qualquer Pontificado. Francisco ordenou uma autêntica razia na estrutura responsável pelos dinheiros da Igreja e não teve dúvidas em classificar como “corrupção” o modo como muitos milhões circulavam em contas escondidas ou off-shores duvidosas. Toda a cadeira hierárquica do Banco Vaticano foi mudada e um colaborador direto do Papa foi chamado à ingrata missão de criar regras “coerente e transparentes” para a gestão das finanças da Igreja. Francisco “não deixa o lixo debaixo do tapete”, disse um magistrado italiano, que acompanha a situação, em entrevista ao “La Stampa”.

 

Esta obra de limpeza está ainda incompleta. Tal como o ataque ao maior escândalo de pedofilia que, desde João Paulo II vem atingindo a Igreja católica. Bento XVI deu o pontapé de saída, mas desistiu perante “o rosto sujo” que a Igreja lhe veio revelar. Francisco teve altos e baixos na sua guerra contra a pedofilia. Na Irlanda ou no Chile, por exemplo, foi altamente criticado por ter ignorado o apelo das vítimas, mesmo quando, nas suas deslocações oficiais, lhe solicitaram encontros ou uma palavra publica de condenação dos infratores. Mas, com o escândalo a rebentar pelas costuras, o Papa teve de refazer a mão e ordenar a mais profunda investigação ao interior da Igreja.

 

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Francisco em Tóquio, em novembro último Foto getty

 

O resultado foi a demissão (tarde, mas violenta) de toda a conferência episcopal chilena, suspeita de encobrimento de denúncias repetidamente feitas pelas vítimas. Ou a criação de uma task force, que procura trazer ao de cima e levar à Justiça os casos que, há anos, repousam nos arquivos dos tribunais eclesiásticos. O fim do segredo pontifício sobre estas matérias, que muitas vezes condena as vítimas a um processo judicial inglório, já foi uma das medidas tomadas por Francisco. Os resultados ainda estão por aparecer.

 

Um Eco-Papa

 

Foi com a encíclica “Laudato si” (“Louvado sejas”) que o Papa se estreou nos grandes textos que pretende deixar como marca do seu pontificado. O documento é um hino ao planeta, ou melhor, um louvor a essa “Casa Comum”, como a designa Francisco e que, a partir de 2015, se tornou um mote para qualquer causa ecologista que se preze. A ideia de que o mundo é a nossa casa e que a sua conservação e respeito são uma obrigação cultural, moral e até teológica é uma nova forma de proclamar o papel dos católicos no mundo.

 

E, voltando ao início deste texto, vem em linha com a ideia do Papa de uma maior proximidade da ‘sua’ Igreja com o ‘nosso’ mundo. Da encíclica para o primeiro grande Sínodo sobre a Amazónia houve uma distância de quatro anos, mas mantém-se a mesma preocupação de respeito pela natureza, dos seus povos e das suas culturas. “Aquilo que a Igreja mais precisa hoje é da capacidade de curar as feridas e de aquecer os corações dos fiéis, da proximidade”, disse Francisco nos primeiros tempos do seu pontificado. E, na verdade, é isso que tem procurado fazer.

 

[Texto Rosa Pedroso Lima]

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