AIS: Um gigante da fé
Tinha 92 anos quando morreu em Junho de 2019. Há quase um ano. Pertencia à chamada Igreja Clandestina, fiel ao Papa, que o regime de Pequim não reconhece. Essa fidelidade valeu-lhe quase vinte anos de trabalhos forçados. Quando faleceu estava ainda em prisão domiciliária. As autoridades não permitiram sequer que tivesse um funeral público. Amou profundamente a China e a Igreja. Pagou caro todo esse amor.
Até na morte D. Setfano Li Side incomodou. Amado pela comunidade cristã, que via nele um exemplo de coerência e de lealdade à Igreja, as autoridades chinesas não permitiram que se realizasse um funeral ou enterro público num cemitério católico. Temiam que o último adeus ao Bispo de Tianjin se transformasse numa manifestação de apreço pela Igreja Clandestina, que se mantém fiel ao Papa e ao Vaticano apesar de toda a perseguição, de toda a violência que tem sido exercida sobre os cristãos que se recusam a seguir as regras impostas por Pequim. Terá sido um erro. A notícia dessa proibição veio sublinhar, como se de um elogio póstumo se tratasse, uma vida de entrega aos outros e a Deus e uma lealdade exemplar à Igreja Católica. Li Side nasceu a 2 de Outubro de 1926, em Zunhua, na província de Hebei, no seio de uma família profundamente católica. Desde cedo sentiu a vocação pela vida religiosa e aos 14 anos entrou para o seminário. Quinze anos mais tarde seria ordenado sacerdote na diocese de Tianjin, que iria servir até ao último dia da sua vida. Mesmo estando em prisão domiciliária.
Revolução comunista
A China vivia já dias conturbados com a revolução comunista de Mao Tsé-tung a moldar a fisionomia do país com o sacrifício de milhões de pessoas. A Igreja foi profundamente perseguida. Para D. Stefano, essa foi uma realidade de quase toda a vida. Quatro anos antes de ter sido ordenado sacerdote, já Pequim e a Santa Sé cortavam relações diplomáticas que ainda hoje não foram reatadas. Nesse tempo, era profundo o clima de desconfiança face à comunidade cristã. Muitos sacerdotes e bispos foram expulsos, muitos outros conheceram a prisão. O padre Li Side foi detido pela primeira vez em 1958. Só seria libertado quatro anos mais tarde e apenas por uns meses. Em 1963 foi de novo encarcerado tendo sido condenado a trabalhos forçados. Foram quase duas décadas. Só seria libertado em 1980. Em 1982 viria a sua consagração episcopal para ser preso, pela terceira vez, em 1989. Ficou na cadeia durante dois anos. Em 1992 receberia a última condenação: prisão domiciliária numa aldeia meio perdida no mapa, no distrito de Jixian, a cerca de 60 quilómetros de Tianjin. Aí ficou até à morte, em 8 de Junho de 2019. Essa prisão domiciliária foi como um exílio. Não o vergando, as autoridades quiseram afastá-lo. Mas foram muitos os que se atreveram a viajar até essa aldeia, Liang Zhuang Zi, onde viveu até aos 92 anos de idade. Era um símbolo e os símbolos não cabem dentro de nenhuma cadeia, de nenhuma prisão. Era um exemplo e assim continua na memória de todos os que o conheceram.
Comunidade viva
O padre Ricardo Teixeira, dehoniano, foi uma dessas pessoas. Viveu na China alguns anos, entre 2013 e 2017, e conheceu pessoalmente este Bispo da Igreja Clandestina. Numa entrevista à Fundação AIS, recordou-o como “um gigante da fé”. “Era um homem de um amor enorme à Igreja e o amor dele pelo país – não pelo governo mas pelo país – não era menor.” A notícia da morte de D. Stefano Li Side apanhou já o padre Ricardo em Portugal. Não terá sido com surpresa, mas com mágoa, que soube da forma como as autoridades negaram as cerimónias fúnebres ao prelado. “[O Bispo] tinha tido já um avc, e acompanhei um pouco as notícias sobre ele, sobre o problema que foi o funeral dele… Ele estava preso, em casa… o seu coadjutor também está preso, em prisão domiciliária. É uma diocese com os dois bispos presos, é uma comunidade viva e se calhar por saberem que ele estava preso, a coragem, a fidelidade dos fiéis era absolutamente extraordinária.” D. Stefano Li Side amou profundamente a China e a Igreja. Pagou caro todo esse amor. A sua vida foi de uma fidelidade espantosa. Passou quase duas décadas na prisão. As autoridades pensavam que conseguiriam silenciá-lo. Não o conseguiram. Continua a ser recordado e amado como um verdadeiro gigante da fé.