AIS: A morte num fim do mundo
A aldeia de Ayar-Mbalom, na Nigéria, é pequena, pobre e sem importância. Quase não vem no mapa. Há dois anos, porém, o seu nome correu mundo por causa de um ataque na sua igreja quando decorria a celebração da missa. Foi um ataque brutal. Dezanove cristãos foram assassinados a tiro, entre os quais dois sacerdotes. A Irmã Anna estava na Austrália quando recebeu a notícia…
Dia 24 de Abril de 2018. A Irmã Anna Abba estava em Brisbane, na Austrália, quando recebeu uma chamada telefónica da Nigéria. A igreja de Santo Inácio, em Ayar-Mbalom, tinha sido atacada por homens armados. Do outro lado da linha falavam em massacre, em muitos mortos, entre os quais os Padres Jopseph Gor e Félix Toyolaha. Anna Abba, superiora-geral das Irmãs da Natividade, uma congregação feminina cuja principal missão é servir e ajudar os pobres e marginalizados da Nigéria, ficou em choque. Ela conhecia muito bem não só os dois sacerdotes como todas as pessoas da aldeia, da comunidade de Ayar-Mbalom. A casa das irmãs fica muito perto da igreja. Talvez a menos de cem passos de distância. Ela própria poderia ter sido uma das vítimas e só não estava na igreja por mero acaso… tinha ido à Austrália para uma conferência…
O ataque à igreja
Ainda não eram 6 horas da manhã, já a missa tinha começado naquela terça-feira, quando os paroquianos foram sobressaltados pelos gritos dos atacantes. Foi tudo muito rápido. Homens armados – mais tarde saber-se-ia que eram pastores fulani – entraram na igreja aos tiros procurando matar o maior número possível de pessoas. Os Padres Joseph Gor e Félix Tyolaha foram dois dos alvos. Morreram mais 17 fiéis. “Foi um massacre.” Para a Irmã Anna Abba, não restou qualquer dúvida de que os atacantes quiseram dar um golpe profundo naquela pequena aldeia cristã. Foi um ataque deliberado. Era a primeira missa da manhã, a missa que reunia grande parte da população. O dia começava sempre assim, na igreja, com a comunidade reunida em oração. “Foi um massacre”, resumiu a Irmã Anna. Depois dos tiros na igreja, os pastores fulani dirigiram-se ainda para o centro da aldeia e atacaram, queimaram e destruíram mais de 60 casas e celeiros. Foi propositado.
Toda a violência
A aldeia de Ayar-Mbalom pertence à diocese de Makurdi, ao estado de Benue, no chamado “Middle Belt”, uma região central da Nigéria que faz a transição entre o norte, maioritariamente muçulmano, e o sul, onde predomina a religião cristã. Há muito tempo que essa zona central da Nigéria é palco de ataques de pastores de etnia fulani contra agricultores cristãos. Segundo o último relatório sobre a liberdade religiosa no mundo, publicado em 2018 pela Fundação AIS, esses ataques provocaram, só na última década, “vários milhares de mortos”. De facto, como se não bastasse a violência extrema contra os cristãos no norte do país, onde o grupo terrorista Boko Haram pretende instaurar um ‘califado’, também em toda a zona central da Nigéria tem vindo a agravar-se um profundo sentimento de insegurança pela sucessão de ataques dos pastores fulani e pela forma negligente, por vezes mesmo criminosa, como as autoridades defendem as populações.
Tudo mais longe…
Depois do massacre na Igreja de Santo Inácio, os habitantes de Ayar-Mbalom ficaram de luto. Não havia família que não chorasse um ente-querido, um amigo ou um vizinho. Ficaram de luto e com medo. Uma parte das suas vidas desmoronou naquela madrugada em que o chão da igreja se manchou com o sangue de 19 cristãos. Uma parte do mundo dos habitantes daquela aldeia morreu também ali. Perdeu-se a confiança, perderam-se sorrisos, a alegria de viver. Aquela aldeia fica quase num fim do mundo. Por falta de estradas e de pontes, uma viagem que deveria demorar pouco mais de trinta minutos obriga a uma caminhada de mais de seis horas. Se tudo estava já distante, mais longe ficou depois do assassinato dos Padres Joseph Gor e Félix Tyolaha. Por alguma razão eram tão queridos da população local. Os dois poços que abastecem a aldeia de água foram iniciativa deles, assim como a escola, o berçário e ainda a capela. A clínica médica que existe na zona foi também construída pela diocese. Agora é tudo mais difícil. Parece que ficou tudo ainda mais longe.
Olhar e ver
O ataque foi a 24 de Abril de 2018. Faz esta sexta-feira dois anos. Parece que foi ontem. O medo subsiste. Em Agosto do ano passado, outro sacerdote foi assassinado a tiro, desta vez na diocese de Enugu. Já este ano, na primeira semana de Março, e após uma série de ataques no norte do país, com aldeias varridas a tiro e deixadas em chamas, e depois de contabilizados mais de 50 mortos, a Igreja Católica mobilizou centenas de fiéis para uma inédita manifestação de protesto pelo terror a que os cristãos estão sujeitos na Nigéria. São os ataques terroristas do Boko Haram no norte, a violência dos pastores fulani, na região centro, e, um pouco por todo o país, uma onda de raptos e de assaltos que está a assustar fortemente toda a população. Na ocasião, D. Augustine Akubeze, presidente da Conferência Episcopal, fez um apelo à comunidade internacional para “ajudar a Nigéria”, e pediu ao mundo para estar atento às “lágrimas e dores dos cristãos perseguidos e indefesos” neste país africano. É preciso que o mundo descubra, disse o Arcebispo, “que as pessoas estão a morrer todos os dias na Nigéria da mesma maneira que estão a morrer na Síria”. É preciso ver.
“Não tenho medo…”
Quando recebeu o telefonema sobre o massacre na igreja de Santo Inácio em Ayar-Mbalom, a Irmã Anna ficou em estado de choque. Conhecia aquela igreja como a palma das suas mãos, conhecia os dois sacerdotes e praticamente todos os homens, mulheres e crianças que foram assassinados naquela terça-feira de manhã. A Irmã Anna estava na Austrália, onde tinha ido fazer umas conferências. A viagem de regresso era dali a seis dias. Pediram-lhe, por favor, para ficar mais um tempo na Austrália. Seria mais seguro, mais prudente. Poderia haver um novo ataque… Mas a Irmã Anna disse que não. Precisava de voltar para a sua terra, para estar junto dos seus. “Não tenho medo…”A aldeia de Ayar-Mbalom, na Nigéria, é pequena, pobre e sem importância. Quase não vem no mapa. Há dois anos, o seu nome correu mundo por causa do ataque durante a missa. A igreja de Ayar-Mbalom nunca fechou portas. Essa é a maior homenagem que se pode fazer aos 19 cristãos que perderam a vida no dia 24 de Abril de 2018. Há precisamente dois anos.