AIS: Maria do rio Mekong
Um pescador teve um sonho. Um sonho improvável mas que o incomodou ao ponto de o querer confirmar. No sonho apareceu-lhe a imagem de Jesus a dizer que estava com frio, que estava sepultada no meio do rio Mekon e que precisava de ajuda. O Jesus do sonho pedia-lhe para mergulhar nas águas escuras do rio para ser resgatado. O pescador atirou-se às águas sem imaginar que esse mergulho iria mudar a sua vida para sempre…
O pescador vive do que o rio lhe oferece. Depende dele. Sabe quando as águas se agitam e tornam a pescaria difícil e sabe, às vezes olhando apenas para as nuvens no céu ou escutando a brisa, o que essas mesmas águas lhe podem oferecer em dias de calmaria. O pescador conhece as manhas do rio como as rugas das suas mãos. Na verdade, pertence ao rio. Este pescador é uma pessoa vulgar. Vive no Camboja, numa aldeia que cresceu ao longo do rio Mekong. A sua história mudou no dia em que lhe apareceu Jesus num sonho. Mudou a sua história e a da sua mulher. Ainda hoje tudo lhe parece um pouco estranho mas já se habituou à ideia de que a sua vida se transformou por causa desse sonho.
Uma história invulgar
Muito humilde, este homem não gosta de falar de si próprio. Esconde-se quase na sua sombra. Respeita-se isso: é o pescador. Quando conta a sua história, este homem cuida das palavras. Usa-as com prudência pois sabe que a sua história não é comum. “Um dia tive um sonho”, diz, sentado com as pernas cruzadas num barco que se assemelha a uma canoa comprida e que tem um pequeno motor que larga ruídos de diesel quando serpenteia pelas águas. “Naquele sonho, Jesus veio ter comigo. Disse-me que sentia frio por estar há tanto tempo na água. Pediu-me para mergulhar num determinado lugar. Quando acordei, decidi ir à procura daquele lugar.”
Penumbra e sofrimento
Esta é a história improvável de um homem e da sua mulher, ambos com mais de sessenta anos. Sim, a sua mulher iria ser a outra protagonista desta história. Regressemos a esse sonho. Terá sido algo de muito forte, de muito impressivo para levar alguém a mergulhar nas águas frias e barrentas do rio Mekong. Quem decide a atirar-se para a água num rio tão largo e comprido como aquele, só por causa de um sonho? O pescador era budista como a sua mulher, como praticamente todas as pessoas que vivem ali nas margens do rio. Há por ali muito poucos cristãos. São raros. São sobreviventes. O país viveu décadas de penumbra e sofrimento durante o regime do Kmer Vermelho, durante a ditadura comunista. Entre o ano de 1975 até ao início da década de noventa, as religiões foram proibidas, como se Deus pudesse ser aniquilado por decreto. Apesar da violência quase demente com que os fiéis foram perseguidos, a verdade é que, mesmo clandestinamente, continuou a rezar-se no Camboja. Cristãos e budistas têm em comum essa mesma experiência de sofrimento e de resistência.
O sonho confirmou-se
O pescador atirou-se às águas lamacentas para cumprir o mandamento que escutou no sonho. Provavelmente nem contou à sua mulher o que iria fazer. Seria quase ridículo mergulhar num lugar preciso do rio Mekong para resgatar uma imagem de Jesus baseando-se numas coordenadas ditas num sonho… “Nadei, mergulhei e trouxe uma imagem que encontrei.” Há agora um sorriso quase imperceptível no rosto do pescador. Os olhos amendoados parecem traduzir um sentimento de triunfo. Fez-se ao rio e trouxe a imagem. O sonho confirmou-se. Parecia ainda escutar as palavras que Jesus lhe tinha dito… Era verdade mesmo. “Depois de limpar a imagem, levei-a a uma igreja. Na igreja perguntei às pessoas: ‘São mãe e filho? Vocês são católicos. Talvez possam explicar-me.’”
A cura da mulher
E explicaram. Aquela imagem que mostrava uma mulher com uma criança ao colo era Maria e Jesus. E aquela criança era o Jesus que tinha escutado durante o sono. “Fiquei cheio de alegria e disse-lhes: ‘Estou feliz e a única coisa que quero da Igreja é pedir a Maria e a Jesus para que a minha mulher seja saudável’.” A mulher do pescador há muito que se arrastava com várias enfermidades. Sofria de atrofia muscular, reumatismo. Teve várias doenças e chegou mesmo a estar paralisada. “Houve uma altura em que não conseguia andar sem apoio”, recorda o pescador à equipa da Fundação AIS que foi até ao Camboja para conhecer a sua história.
A transformação
Mas tudo mudou por causa do sonho. “Desde que encontrei a imagem, a minha mulher vai a pé à igreja todos os dias para rezar. Há três anos que somos católicos. Antes éramos budistas.” Há uma alegria expressiva nas suas palavras. Percebe-se que este homem sinta algo de especial. O sonho improvável da imagem de Jesus que estava com frio no meio do rio mudou a sua vida. Hoje, a imagem de Maria com o menino Jesus nos braços, que ninguém consegue explicar como foi parar ao meio do rio, é objecto de culto na aldeia. As pessoas curvam-se perante a imagem e acendem pauzinhos de incenso emprestando um perfume especial que faz lembrar os templos budistas que há na região. “Eu acredito, acredito mesmo”, diz o pescador, sorrindo.
A Igreja Católica tem conseguido renascer das cinzas depois de anos de terror durante a ditadura comunista. É uma comunidade muito pequena que precisa muito de nós para se reerguer. Eles pedem-nos apoio. Vamos ajudá-los?