AIS: Puro de coração
Foi alvejado a tiro quando faltava menos de um mês para a sua ordenação episcopal em Rumbek, no Sudão do Sul. Já no hospital, para onde foi levado de urgência, fez questão de enviar aos que dispararam sobre si uma mensagem de perdão. Mensagem que diz muito sobre este missionário comboniano nascido em Itália e que é, apenas, o mais jovem bispo do mundo…
Foi na noite de 25 de Abril que bateram à porta de Christian Carlassare. O missionário italiano, de 43 anos de idade, recordou ao telefone para a Eye News, uma estação de rádio do Sudão do Sul, como tudo aconteceu. “Algumas pessoas bateram à porta. Quando a arrombaram, estavam à minha frente. Eles não dispararam de imediato. Tentei falar com elas. Bateram-me na cabeça e no corpo. Não acho que quisessem roubar porque poderiam ter-me matado facilmente…” Christian Carlassare foi baleado nas pernas. Os autores do ataque fugiram de imediato. Enviado de urgência para o hospital de Rumbek, acabaria por ser transferido num avião-ambulância para Nairobi, a capital do Quénia, onde foi submetido a intensos cuidados médicos. As suas primeiras palavras após o atentado dizem muito sobre este homem que o Papa Francisco deseja ver à frente da Diocese de Rumbek. Foram palavras de perdão. “Perdoo a quem disparou contra mim, perdoo do fundo do coração quem fez esta acção e peço para rezar pelo povo que certamente sofre mais do que eu”. O ataque de que foi vítima mostra como o Sudão do Sul está dividido entre etnias, tribos, desconfianças que se têm transformado num mar de violência e morte. As balas de intolerância disparadas contra o missionário italiano são um sinal de como é ainda longo o caminho da paz nesta região de África. Recentemente, em declarações à revista Nigrizia, Christian Carlassare falava do seu sonho para o país. Merece ser lido. “O meu sonho para o Sudão do Sul é que a violência se transforme em ternura, a raiva dê lugar a um coração pacificado, a insatisfação em coragem para o trabalho, o medo em confiança e diálogo.” São mais do que palavras de um homem que decidiu, aos 17 anos, que queria ser missionário para o resto da sua vida. São princípios que marcam a diferença.
O "Nuer branco"
Enviado para o Sudão do Sul, em 2004, logo após a sua ordenação sacerdotal, Christian nunca mais se esqueceu da primeira vez em que, a bordo de um pequeno avião, um Cessna de 10 lugares, se encontrou com o povo Nuer, com quem iria trabalhar ao longo de mais de uma década. O piloto fez descer o avião aos poucos, em círculos, assustando os animais que ocupavam a pista de terra batida do aeródromo. Foi em Fangak. Tinha menos de trinta anos. A década seguinte foi de trabalho junto deste povo, numa região imensa composta por cerca de oitenta aldeias só alcançáveis de canoa ou a pé. Foram inúmeras as viagens de mochila às costas, em zonas por vezes perigosas, com animais selvagens. A sua preocupação era estar junto do povo espalhado nesses lugarejos. Ganhou a simpatia de todos. Adaptou-se tanto que foi adoptado por este povo e passou a ser chamado de “Nuer branco”. A sua atenção para com os mais necessitados neste país dividido entre duas etnias principais, os Nuer e os Dinka, levaram a Igreja a pedir-lhe sempre mais responsabilidades. Em 2020 foi nomeado Vigário Geral da Diocese de Malakal e, já em Março deste ano, Bispo de Rumbek. Depois de mais de uma década junto dos Nuer, o Papa envia-o para o povo Dinka. Na noite de 25 de Abril foi baleado nas pernas… Alguns amigos, que conhecem bem Christian Carlasse, falam de um homem especial. Um homem especial com um coração puro. O atentado de que foi vítima, a menos de um mês da sua ordenação episcopal, poderia ser um presságio de uma tragédia maior, de mais ódio entre comunidades tribais. Mas as suas palavras, ainda com o corpo manchado de sangue pelas balas disparadas à queima-roupa, são sinal de que algo maior pode estar a acontecer. Algo maior que só o perdão pode construir.