A coragem do amor
Dois bispos, duas dioceses, um país: República Centro-Africana. D. Cyr-Nestor Yapaupa e D. Juan José Aguirre. Duas vozes para um mesmo lamento. Nos últimos tempos, a violência tomou conta das aldeias, vilas e cidades de Alindao e de Bangassou. Duas dioceses em que milhares de pessoas em lágrimas procuram a ajuda da Igreja. Muitos perderam tudo e não têm mais ninguém…
Que se diz quando alguém vê, com os próprios olhos, cenas de uma violência inimaginável? Que se diz? Às vezes as palavras desaparecem. Tornam-se inoportunas, incapazes. Perante lágrimas de verdade, lágrimas de dor, que se pode dizer? Quase todos os dias, D. Cyr-Nestor Yapaupa e D. Juan José Aguirre ficam assim, sem palavras, perante histórias de sofrimento de pessoas, muitas delas cristãs, que foram apanhadas na armadilha da violência que se apoderou do país nos últimos tempos. No meio deste furacão estão grupos armados, os Seleka, muçulmanos, e os Anti-Balaka, constituídos, muitas vezes, como grupos de auto-defesa. Mas a radiografia deste desastre é muito complexa. D. Juan Aguirre, Bispo de Bangassou, explica o que se está a passar. “Há dezoito anos que vivemos um calvário com muitos ataques, raptos, roubos, intimidações e inclusive a degolação de pessoas.” É assim em Bangassou, uma diocese apoiada directamente pela Fundação AIS. Agora vamos até Alindao. Que diz o bispo? “A violência teve início do dia 8 de Maio, em resposta aos raptos e assassinatos de vários jovens em Datoko pelos Seleka. Após a intervenção das tropas da ONU, a situação acalmou-se um pouco. Porém, ainda existem cerca de 5.000 refugiados, que estão actualmente a ser atendidos em vários centros da Igreja Católica.” Cinco mil pessoas em lágrimas só ali, na diocese de D. Cyr-Nestor Yapaupa. A República Centro-Africana é um país destroçado. Quando a violência irrompe assim nas ruas, não poupando nada nem ninguém, fica-se sem respostas. É quando as pessoas se sentem incapazes. É nestas ocasiões que um simples abraço apertado vale mais do que todas as palavras.
Pessoas assustadas
Mas a violência e o medo só se combatem com a coragem inspirada pelo amor. O Bispo de Bangassou é espanhol, missionário comboniano e é, também, um homem de coragem. No passado dia 8 de Maio, graças a D. Juan José Aguirre – e à actuação pronta de militares portugueses ao serviço da ONU – não foram chacinadas centenas de pessoas. Eram quase todas muçulmanas. Podiam ser cristãs. Para o bispo eram apenas pessoas assustadas que precisavam de ajuda. Como procurar caminhos de paz quando tanta violência está à solta? D. Cyr-Nestor Yapaupa também sabe bem o que é ter à sua frente gente ferida no corpo e na alma, estendendo-lhe as suas mãos vazias. Que dizer? Que fazer? “As pessoas na minha diocese vivem essencialmente dos produtos agrícolas locais. Os alimentos da caça e da pesca tornaram-se muito raros nos últimos tempos. Como resultado, existe o risco de uma crise alimentar, à qual já estamos a assistir. As pessoas já não são capazes de cultivar os seus campos de forma segura, e as reservas e lojas de alimentos desses países foram saqueadas, roubadas e até queimadas.” O bispo está a falar de fome. Está a falar de fome e de medo. Está a falar de lágrimas. Está a falar de pessoas que precisam de ajuda. Está a falar connosco. Está a falar consigo. No meio desta tragédia em que se tornou a República Centro-Africana, a Fundação AIS, através dos seus benfeitores e amigos, está a fazer todos os dias verdadeiros milagres. Milagres que só a coragem do amor pode construir.