A guerra à porta de casa
“Quando ouço uma explosão, isso significa que ainda estou vivo. Estamos preparados para uma morte súbita e inesperada…” Estas palavras, do Bispo de Kharkiv-Zaporíjia, são mais do que um relato poderoso de quem tem vivido numa região flagelada pelos bombardeamentos das tropas russas e que agora está a assistir à reconquista dos territórios ocupados por parte do exército da Ucrânia. É a guerra sem fim…
A diocese latina, com os seus quase 200 mil quilómetros quadrados de extensão, a leste do rio Dnipro, tem estado em permanente sobressalto, com cidades inteiras a serem alvo dos mísseis e dos canhões, situação que forçou à fuga de parte considerável da população. Foi assim durante quase seis meses de conquista e ocupação das tropas russas, e está a ser assim, ainda agora, quando os soldados ucranianos lançaram uma contraofensiva para a libertação do território. Uma libertação que está a pôr a descoberto atrocidades cometidas contra as populações locais. Só na cidade de Izium, na região de Kharkiv, foi descoberta uma vala comum com mais de 400 corpos… É difícil imaginar como tem sido a vida durante estes longos seis meses de guerra. Os que não abandonaram a região, continuam numa situação por vezes dramática, como relata, à Fundação AIS, o bispo Pavlo Honcharuk. “Algumas pessoas precisam de roupa, outras de sapatos, ou de medicamentos, ou de comida, algumas apenas precisam de apoio, e outras de um lugar onde ficar.” O Bispo descreve como o dia-a-dia de todos tem vindo a adaptar-se à guerra e como todos os dias também as cidades se reinventam da destruição causada em bairros residenciais, hospitais, mercados, estabelecimentos comerciais. Em todo o lado…
Memórias para sempre
As cidades reerguem-se todos os dias, mas é difícil esconder a situação dramática em que se encontram as populações. “Ontem estive no mercado. Mas as pessoas não podem comprar nada porque não têm dinheiro. As pessoas aqui não são ricas. Os ricos já partiram há muito, mas aqueles que viviam dos seus salários ficaram, tiveram de contar cada cêntimo, e agora estão numa situação muito difícil. Até na roupa podemos ver que aquela pessoa sempre teve uma vida digna, mas a guerra tornou-a pobre ou sem abrigo.” As palavras do Bispo não permitem grandes ilusões face às consequências da guerra. Todos ficarão com marcas para o resto da vida. Para já, todos procuram sobreviver. Cada dia que passa é uma pequena vitória contra o absurdo de uma guerra que se julgava impossível em pleno coração da Europa e que aí está, há mais de meio ano, a deixar um rasto profundo de destruição, sofrimento e morte. “Quando ouço uma explosão, isso significa que ainda estou vivo. Estamos preparados para uma morte súbita e inesperada. Isso significa que recebemos frequentemente os sacramentos, especialmente a confissão. É uma experiência completamente nova, um modo de vida diferente. De manhã, levanto-me e dou-me conta de que estou vivo.”
Trabalho incansável
Estas palavras do Bispo revelam o sentimento de impotência de quem está no meio de uma cidade que está no meio de uma guerra. Mas, apesar de tudo, é possível sempre encontrar sinais de amor, de entrega aos outros, de solidariedade. A Igreja está na linha da frente dessa ajuda de primeira necessidade. É um trabalho incansável que começou quando as primeiras bombas caíram em solo ucraniano. Os padres, as religiosas, os voluntários da Igreja precisam de ajuda para continuarem a apoiar todos os que ficaram sem nada, os que precisam de tecto, comida, roupa, ou de medicamentos. A Fundação AIS tem procurado alimentar esta corrente de solidariedade que nasceu no primeiro dia de guerra. E D. Pavlo sabe disso. “Gostaria, em nome de todos, de vos agradecer sinceramente pelos vossos corações abertos e pela vossa ajuda. Não importa se foi muito ou pouco, o que é importante é que não tenham ficado indiferentes à nossa situação. Agradeço-vos sinceramente!”