AIS: «Aqui há gente a morrer»
Três semanas depois da passagem do ciclone Freddy por Moçambique, é imenso ainda o rasto de destruição. Há dezenas de mortos, milhares de deslocados e mais de 880 mil pessoas afectadas. O Bispo de Quelimane, uma das zonas mais atingidas pelas chuvas e ventos fortes, descreve, à Fundação AIS, um cenário dramático com pessoas a morrer de fome e também de cólera. E pede ajuda. Todas as igrejas da diocese ficaram parcialmente destruídas.
“O povo neste momento não tem o que comer”, dizia, ao telefone, desde Moçambique, D. Hilário Massinga. O ciclone Freddy já tinha varrido a região, mas a sua passagem continuava a fazer-se sentir. Em entrevista à Fundação AIS, o Bispo de Quelimane descrevia um cenário dramático , com fome e cólera e uma população que ficou praticamente sem nada face à violência das chuvas e dos ventos. “As pessoas estão a passar fome. Estão mesmo a passar fome! E temos um problema adicional que é a cólera. Aqui há gente a morrer”, diz o prelado, referindo que o facto de quase não haver saneamento básico estar a agravar a situação. O ciclone causou quase 200 mortos e afectou mais de 880 mil pessoas em Moçambique. Estes números são gigantescos face à falta de recursos. A situação é mesmo muito difícil. A prioridade é a alimentação e a distribuição de água e de redes mosquiteiras aos que perderam tudo o que tinham, para se evitar, ao máximo, a propagação de doenças, como a malária e a cólera.
O vento destruiu não só a esmagadora maioria das chapas de zinco das casas em toda a região, mas também das igrejas. O cenário não se afigura fácil, tanto mais que esta é a época das chuvas… “Todas as nossas igrejas, todas as nossas casas, residências, juntamente com as do povo, estão sem tecto neste momento. Estamos muito atrapalhados com isso”, reconhece D. Hilário, adiantando que os responsáveis da Diocese têm vindo a pedir ajuda, pois há paróquias onde ainda não foi possível chegar. Face à dimensão da tragédia, as populações sentem falta de apoio e D. Hilário dá conta também disso. “Estamos a lutar por nossa conta, com aquilo que podemos” explica, alertando para o facto da cólera ser agora a ameaça maior. “Em alguns bairros as mortes são diárias e isso preocupa-nos. Morrem de cólera e ninguém diz nada…”
País de rastos…
Também D. Diamantino Antunes, Bispo de Tete, outra das dioceses afectadas, falou com a Fundação AIS destacando o facto de estes fenómenos extremos, que ocorriam com seis ou sete anos de intervalo, serem agora cada vez mais frequentes dadas as mudanças climáticas que se estão a verificar um pouco por todo o planeta, e de acentuarem a já profunda pobreza em que se encontra o país. “Uma tempestade tropical como esta coloca o país de rastos”, explicou D. Diamantino. Além de Moçambique, o ciclone Freddy atingiu também Madagáscar e o Maláui, provocando, no conjunto, até agora, já mais de meio milhar de mortos. A tudo isto, soma-se a tragédia do terrorismo que tem afectado essencialmente o norte do Moçambique, onde grupos armados têm lançado, desde Outubro de 2017, sistemáticos ataques que já provocaram cerca de 4 mil mortos e quase 1 milhão de deslocados internos. Toda esta situação tornou Moçambique num país prioritário para a Fundação AIS no continente africano, especialmente no que diz respeito ao apoio às vítimas do terrorismo. A ajuda da Fundação AIS tem-se materializado nomeadamente em projectos de assistência pastoral e apoio psicossocial, mas também no fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da guerra.