AIS: “Vivo num cemitério…”
John Susany é um rosto da tragédia em que se encontra a Síria. Antes da guerra, tinha uma oficina de alumínios. Um dia, perdeu tudo a ponto de, agora, viver com a família num cemitério. Mas a sua vida está a mudar. Os projectos de microcrédito apoiados pela Fundação AIS permitiram-lhe já ter uma nova oficina, algum equipamento e até os primeiros clientes. John Susany é o rosto vivo também de como com muito pouco se podem fazer autênticos milagres…
Há uma desolação enorme em muitas ruas de Damasco, ainda com memórias da guerra impressas nas paredes, no lixo que ainda não foi retirado, nos escombros das casas que ruíram. As guerras são assim. Perduram sempre muito tempo como cicatrizes. Cicatrizes nas casas, nas ruas, mas também nos rostos das pessoas. Basta olhar para John Susany para se perceber que a sua vida esconde alguma tragédia. Susany vive com a mulher e os filhos num cemitério. Seria provavelmente o último sítio onde alguma vez imaginaria viver, mas foi o único sítio onde se conseguiu abrigar juntamente com a família. A sua história mostra que ninguém pode ter certezas no meio de uma guerra. A vida corria-lhe bem. Era mestre na arte do alumínio, um ofício que aprendera em jovem e que o tornara numa referência. Tinha uma oficina, bastante trabalho, muitos clientes. Vivia bem. “Tornei-me muito bom neste ofício. As nossas condições de vida eram muito boas”, explica à equipa de reportagem da Fundação AIS. Sentado ao lado da mulher em cadeiras de plástico, rosto magro, barbas brancas, vai desembrulhando as palavras, as mágoas da sua vida. Mágoas que começaram no dia em que a guerra bateu à sua porta com estrondo. “Perdi a minha oficina, tudo se foi. Por isso, fugimos.” John Susany é o rosto de uma tragédia. Tal como ele há milhões de outros sírios que tiveram de fugir, que perderam tudo o que tinham, que foram forçados a recomeçar a vida noutro lugar ou mesmo noutro país.
Os milagres da generosidade
A guerra na Síria, que dura já há mais de 12 anos, já provocou uma crise humanitária brutal. Calcula-se que haverá, neste momento, cerca de 5,5 milhões de sírios a viver como refugiados em países da região, enquanto outros 6,7 milhões estão como deslocados internos, no próprio país. John Susany, a mulher e os dois filhos, um rapaz e uma rapariga, fazem parte deste número. Depois de terem tudo perdido, tiveram de procurar abrigo. A única porta aberta que encontraram foi a do cemitério. É lá que estão, é lá que dormem, que comem, que lavam a roupa. É lá que vivem. “Vivo num cemitério”, diz, sem se atrever sequer a olhar a câmara de filmar de frente. É ele que abre a porta do cemitério, que enterra as pessoas. “Ninguém me visita, só as pessoas que estão a chorar e a sofrer”, diz ainda, acrescentando em jeito de desculpa: “mas não posso deixar os meus filhos dormir na rua…” Tudo na sua vida parecia ser apenas um pesadelo até que surgiu a possibilidade de participar no projecto de microcrédito da Fundação AIS. Um projecto que tem vindo a mudar a vida das pessoas não só na Síria mas também noutros países. “O programa de microcrédito foi um ponto de viragem na minha vida”, reconhece, já com um vislumbre de sorriso no olhar. “Compraram-me o equipamento e depois trouxe-o para a minha oficina. Comecei a receber algumas encomendas e já não me preocupo com o que vou comer amanhã.” John é um cristão que reaprendeu também a olhar para Deus na provação da guerra. As suas orações tornaram-se mais fortes, mais sentidas, mais profundas. “Jesus está sempre comigo, Jesus protege-me sempre”, diz, antes de agradecer à Fundação AIS ter-lhe devolvido a esperança através de um simples microprojecto. “Este apoio foi muito importante”, sublinha, pedindo à Fundação AIS para que outros venham também a ser ajudados, “porque há muitas pessoas que precisam”. John Susany, que ainda vive num cemitério, é o rosto vivo de como, com muito pouco, se podem fazer autênticos milagres… Milagres que dependem apenas de nós, da nossa generosidade.