AIS: «Não tenho nada»
Fugiu numa motorizada com a mulher e o filho. Conseguiu trazer consigo, às pressas, apenas um saco com meia dúzia de coisas. Foi tudo o que salvou face à chegada iminente dos terroristas à sua aldeia. Agora, os três vivem num campo de deslocados e os dias são dolorosos. O Natal está a chegar e falta-lhes tudo menos a fé... O Bispo de Dori até já disse à Fundação AIS que “é um milagre haver ainda cristãos no país”…
O que mais impressiona é o olhar triste, cansado. Robert Sawadogo é um dos cerca de 2 milhões de deslocados internos do Burquina Fasso. A sua história confunde-se com a de tantos e tantos outros que tiveram de fugir perante a ameaça de grupos terroristas, de grupos jihadistas que querem impor um Islão radical pela força das armas. E os Cristãos são um dos seus alvos. Robert sabe-o bem. A aproximação dos terroristas à sua aldeia não deixou alternativa. Era preciso fugir. Puseram tudo que cabia num saco, colocaram o saco na motorizada e partiram. Ele, a mulher e o filho ainda pequeno. Salvaram a vida, mas é com desespero que olham agora para o futuro. Não têm nada. “A minha mulher chegou aqui apenas com um prato. Este ano, o Natal está a aproximar-se e eu não tenho nada, nem sequer um grão de arroz.” O olhar de Robert diz tudo. Ele sente-se perdido entre outros náufragos, entre outros que, como ele, fugiram da violência jihadista e estão agora em alguns dos campos de deslocados que foram nascendo no Burquina Fasso. Calcula-se que os terroristas controlam já cerca de 40% do país. A vida para os deslocados internos é dramática. O futuro revela-se incerto e o passado parece ser, a cada dia que passa, cada vez mais distante. Não há regresso possível às aldeias enquanto os jihadistas estiverem por lá. A situação é tão dramática que há até paróquias que já foram encerradas.
Haver cristãos é um milagre
É assim em muitos lugares. Na Diocese de Fada N’Gourma, na parte oriental do país, por exemplo, cinco paróquias estão fechadas devido à ameaça dos terroristas. O Bispo de Dori, D. Laurent Dabiré, precisa de ajuda do helicóptero das Nações Unidas para entrar ou sair da sua diocese. E se optar pela estrada, tem de integrar uma escolta de veículos militares. De outra forma, a viagem será um suicídio. Este Bispo esteve no Brasil no início do ano a convite da Fundação AIS. As suas palavras são um testemunho da urgência no socorro a este país. “É um milagre ainda haver cristãos no Burquina Fasso”, disse durante a visita. De facto, é raro o dia em que não há uma notícia trágica, ou em que não se chore a morte de alguém, em que não se escute o lamento de mais um ataque… “Todos os dias alguém vem ter comigo para dizer: ‘Senhor bispo, mataram 30 pessoas esta manhã’. E eu ainda não terminei de ouvir esse relato e já alguém interrompe para dizer: ‘Bispo, acabaram de matar 15 pessoas perto de mim’.” Estas palavras de D. Dabiré no Brasil ajudam a explicar como é o seu dia-a-dia, como é difícil gerir sentimentos, esperanças e vidas num ambiente tão marcado pela violência mais extrema. D. Dabiré diz que, normalmente, quando os terroristas chegam às aldeias, ou começam logo a disparar indiscriminadamente, incendiando as casas, destruindo tudo, ou então optam por raptar os rapazes e as raparigas. “Os rapazes são levados para se tornarem soldados, e as raparigas para serem escravas sexuais dos combatentes.”
A vergonha de não ter trabalho
É por tudo isto que, quando corre a notícia de que os terroristas estão a chegar a algum lugar, a alguma região, não resta tempo para mais nada do que fugir a toda a pressa. Foi isso que fez Robert Sawadogo. Fugiu com a mulher e um filho na motorizada e conseguiu apenas colocar meia dúzia de coisas num saco. Foi tudo o que salvou do naufrágio em que se transformou a sua vida. “Não tenho trabalho, nada que me dê um rendimento fixo. Para mim, não ter trabalho é um motivo de vergonha e de stress”, diz para a câmara de filmar da Fundação AIS, mas sempre com um olhar triste e cabisbaixo. O campo de refugiados em que se encontra é praticamente igual a todos os outros no Burquina Fasso. As pessoas parecem fantasmas por lá, carregadas de infelicidade, de desespero e de angústia. Isolados, sem terra para trabalhar, a vida destes deslocados, destas vítimas do terrorismo, depende exclusivamente da boa vontade de instituições como a Fundação AIS. Apesar disso, apesar das nuvens carregadas que ensombram a vida de Robert Sawadogo e de todos os outros deslocados, apesar disso, ainda há uma réstia de esperança: É a fé a alimentar os dias, a alimentar um futuro que parece cada vez mais distante. “Se Deus nos der paz, e se conseguirmos voltar para a nossa aldeia, vamos poder trabalhar para nos sustentarmos, para educar os nossos filhos, e mantermo-nos fiéis à nossa fé.” Até lá, até esse dia de sonho, Robert, a mulher e o filho, e todos os que vivem no campo de deslocados, precisam de nós para sobreviver. A começar pelo pão de cada dia.