O SEU NOME É JOÃO!

Liturgia 24 junho 2018  •  Tempo de Leitura: 9

1. Na Solenidade do Nascimento de S. João Batista, que celebramos no dia 24 de Junho, seis meses antes do Natal do Senhor, é-nos dada a graça de escutar o Evangelho de Lucas 1,57-66.80. Depois de Maria ter visitado e saudado Isabel (Lucas 1,39-45), e depois de ter recitado a bela oração do Magnificat (Lucas 1,46-55), o narrador informa-nos que «Maria permaneceu com Isabel cerca de três meses, e depois voltou para sua casa» (Lucas 1,56).

 

2. Curiosamente, só agora, depois de anotada a saída de cena de Maria, em Lucas 1,56, nos é dito, no versículo imediatamente seguinte, em Lucas 1,57, que Isabel deu à luz um filho. Com esta anotação precisa, fica claro que os três meses que Maria passou em casa de Isabel nada têm a ver com a assistência que Maria podia prestar a Isabel aquando do nascimento do seu filho. Temos então de procurar noutra direção pelo significado que o narrador quis dar a essa estada de três meses de Maria em casa de Isabel. E aqui impõe-se-nos a anotação que consta em 2 Samuel 6,11 acerca da Arca do Senhor, sendo aí dito que «a Arca do Senhor ficou três meses em casa de Obed-Edom (atual Bídu), de Gat, tendo o Senhor abençoado Obed-Edom e toda a sua casa». Bídu é hoje uma aldeiazinha palestiniana que fica no caminho que nos leva a Emaús-El Qubeibeh.

 

3. Dados os paralelismos e os arcos intertextuais estabelecidos, Maria é, no texto de Lucas que nos foi dado escutar, a Arca do Senhor presente em casa de Isabel, que abençoa a casa de Isabel, como em tempos tinha abençoado a casa de Obed-Edom. Verificação: não é dito, o que seria de todo normal, que os vizinhos e os familiares de Isabel ouviram dizer que Isabel tinha tido um filho, tinha dado à luz um filho, mas sim que «os vizinhos e familiares ouviram dizer que Deus cumulou Isabel com a sua misericórdia» (Lucas 1,58). Já se sabia que era de Deus que vinha este menino (Lucas,13), mas podemos perceber melhor que o nascimento de um filho é sempre dádiva de Deus, e nunca apenas coisa natural a ler dentro das leis da natureza.

 

4. O oitavo dia do nascimento de um menino é uma grande festa em Israel. É nesse dia que o menino é circuncidado e recebe o seu nome. A circuncisão é a aliança com Deus inscrita na própria carne, isto é, na própria vida, e não apenas a assinatura de qualquer acordo desenhado numa folha de papiro ou de papel, que amanhã se pode rasgar e deitar fora. A casa de Isabel enche-se outra vez de familiares e vizinhos. Mais uma vez atento, o narrador diz-nos que aquela gente que veio para a festa queria dar ao menino o nome do seu pai, Zacarias (Lucas 1,59). Nem outra coisa era de supor, dado que, em contexto bíblico, o filho primogénito recebia habitualmente o nome do seu pai. Mas Isabel também estava atenta, e reagiu logo, dizendo: «Não, o menino chamar-se-á JOÃO!» (Lucas 1,60).

 

5. Os presentes ficaram atónitos com a reação de Isabel, e fizeram questão de vincar tal incongruência, referindo que na família ninguém tinha esse nome (Lucas 1,61). Recorreram, pois, ao mudo Zacarias para que se pronunciasse sobre o assunto do nome do menino. Zacarias, porque estava mudo, pediu uma tabuinha de cera, e escreveu: «O seu nome é JOÃO!», o que provocou o espanto de todos os presentes (Lucas 1,62-63). Neste preciso momento, continua o narrador a informar-nos, soltou-se-lhe a língua, e Zacarias começou a bendizer a Deus (Lucas 1,64). Como quem diz que a palavra verdadeira também leva nove meses a vir à luz.

 

6. Porquê, então, o nome de JOÃO? É certo que já o Anjo tinha mencionado a Zacarias este nome em Lucas 1,13. Mas porquê JOÃO, se ali, no livro anagráfico daquela família ninguém registava esse nome? O que significa o nome JOÃO? Em hebraico, JOÃO diz-se Yôhanan. Yôhanansignifica literalmente «YHWH faz graça». E o que é fazer «fazer graça»? De forma plástica e concreta, é uma mãe que embala ternamente o seu bebé nos braços e baixa para ele o olhar carinhoso, bondoso, maravilhoso, gracioso, maternal. É este duplo gesto de ternura maternal que é a graça bíblica. Sobretudo aquele olhar belo, enternecido, embevecido, maternal, que enche o bebé de graça.

 

7. É assim que Deus olha para nós, e nos acaricia. É assim que Maria é saudada pelo Anjo com aquele: «Alegra-te, Cheia de Graça!» (Lucas 1,28). E é isso que Maria canta no Magnificat: «A minha alma engrandece o Senhor,/ e o meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador,/ porque Ele Olhou (epiblépô = olhar condescendente) para a sua humilde serva» (Lucas 1,46-47).

 

8. O nome JOÃO não estava registado no livro anagráfico daquela família. O nome dado não é, portanto, da nossa colheita. Vem de Deus. Foi anunciado pelo Anjo. O que é que isto quer dizer? JOÃO é, por assim dizer, o último profeta do Antigo Testamento, e o primeiro do Novo Testamento. Sendo o último do Antigo Testamento, ele resume todo o Antigo Testamento. E o resumo é este: «Deus faz graça!». Sendo o primeiro do Novo Testamento, ele constitui o sumário de todo o Novo Testamento. E o sumário é este: «Deus faz graça!».

 

9. É a posição estratégica de JOÃO no limiar dos Dois Testamentos, encerrando um e abrindo outro, resumindo um e sumariando outro, que explica a nossa estranheza. Mas JOÃO é uma enorme lição. Neste Belo Nome está contida a inteira Escritura e o inteiro afazer de Deus. Parabéns, menino JOÃO, pelo teu nascimento no nosso mundo. Tu, que nos vieste mostrar Deus!

 

10. O Antigo Testamento serve-nos hoje, na Solenidade do Nascimento de S. João Batista, o chamado «segundo canto do Servo de YHWH» (Isaías 49,1-7). Gerado na dor de Israel como verdadeiro filho do milagre (Isaías 49,21), ergue-se esta singular figura de «Servo» (‘ebed), totalmente nas mãos de Deus, desde a sua predestinação desde o seio materno (Isaías 49,1 e 5), passando pela sua entrega à morte (Isaías 53,12), até à sua exaltação e glorificação (Isaías 52,13), de tal modo que Deus o pode chamar «meu Servo» (‘abdî) (Isaías 49,3). Na lição de hoje, o «Servo» fala em primeira pessoa e refere o seu chamamento por Deus, que continua a dizer o seu nome e a revelar-se a ele. Na verdade, Deus quer fazer dele o restaurador de Israel, o condutor dos exilados de Judá, mas também quer que ele seja uma luz para todas as nações, pois Deus quer que a sua salvação chegue até aos confins da terra. Da mesma forma, João não é a Luz, mas veio para dar testemunho da Luz (João 1,7-8).

 

11. Também temos a graça de ouvir hoje um pequeno extrato (Atos 13,22-27) do extenso «módulo narrativo» da história da salvação feito por Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia (Atos 13,16-41). A parte hoje narrada e escutada põe diante de nós a história santa desde a promessa feita a David até João Batista, que mostra a sua realização, apontando Jesus.

 

12. O Salmo 139 é uma pequena maravilha, que põe diante de nós um Deus que se interessa por nós desde a nossa gestação no seio materno, ainda em embrião (golem) (Salmo 139,16), e depois acompanha com conhecimento pessoal todo o nosso percurso, toda a nossa vida. Tudo maravilhoso e admirável. Ó Deus amigo dos homens!

O Bispo D. António Couto publica os artigos no blogue Mesa de Palavras

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