No lugar do outro
DOMINGO XXVIII COMUM Ano C
“Não se encontrou quem voltasse
para dar glória a Deus senão este estrangeiro?”
Lc 17, 18
Ou então, “na pele do outro”, que ficaria melhor ao falar da cura dos leprosos. Mas vai assim devido às palavras de Arthur Fleck, o comediante falhado do filme de Todd Phillips, magistralmente interpretado por Joaquin Phoenix, que se transforma no vilão que dá nome ao filme: Joker. Diz ele a dado momento numa entrevista televisiva: “o maior problema é que ninguém se põe no lugar do outro. Dizem que sim, mas não o fazem!” No meio da violência e tensão psicológica de uma pessoa e de uma sociedade perturbada, fica a ecoar este grito.
É com o grito suplicante de dez leprosos a implorar a compaixão de Jesus que começa o evangelho deste domingo. À distância, fora da povoação, sem se aproximarem, como determinava a lei, os leprosos, dez, número que indica totalidade, pedem ao Mestre a sua graça. Eles estão na periferia da vida, da sociedade, da salvação. Podem equiparar-se a “mortos em vida”, como outros em Israel: os pobres, os cegos, os que não tinham filhos. Mas eles ainda mais: não podiam tocar nem ser tocados por ninguém. Nenhuma rejeição dos homens e de Deus era maior. Viviam apenas uma solidariedade: aquela capaz de unir desgraçados e sofredores, ricos e pobres, judeus e samaritanos. A doença que nos despoja de títulos e separações, de julgamentos e exclusões, e reconduz-nos à comum e frágil humanidade.
É curioso como estes desgraçados não procuram salvar-se individualmente. Não estão centrados cada um em si, nem nos seus méritos. Entraram na pele uns dos outros e isso derrubou muros e egoísmos. É em grupo que Jesus os manda ir ter com os sacerdotes, os únicos que podiam atestar uma cura. E é no caminho que se sentem curados. Sempre o caminho a marcar a vida dos que acreditam em Cristo: só há milagres “em movimento” pois o amor de Deus não se instala. Sem saber quando, também nós, leprosos de mil outras lepras, vivemos a esperança da cura que nos faz mais irmãos e mais filhos.
Um deles regressa e lança-se aos pés de Jesus. Mais do que um gesto de agradecimento, Lucas diz-nos que vinha a gritar “glorificando a Deus”. É bom agradecer, abre-nos ao dom, mas pode ficar só aí. Cai-se na tentação de “pagar o favor”. A outro e até a Deus. É de outra ordem a atitude do samaritano, herói inesperado que transforma a vida ao encontrar a glória de Deus. Dizia S. Ireneu: “A glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a contemplação de Deus.” Uma graça que se paga perde o seu efeito multiplicador. Só a vida que se transforma em graça, que assume colocar-se “no lugar do outro” e responder à sua maior necessidade, que faz reviver quem estava morto é que salva. Nove ficaram curados, mas só um escutou: “A tua fé te salvou”!
Jesus entra na humanidade e coloca-se no nosso lugar, “entra na nossa pele”. E quando somos capazes de fazer o mesmo, os caminhos humanos tornam-se lugares de milagres. Tão simples e tão fundamentais! Não começa aí a missão que este mês de outubro tanto nos propõe?