DOMINGO II DO TEMPO COMUM: «EIS O CORDEIRO DE DEUS»

Liturgia 19 janeiro 2020  •  Tempo de Leitura: 9

1. Aí está, já no Domingo II do Tempo Comum, outra vez João Batista, a figura do umbral ou do limiar, que está sempre ali, à porta, para acolher e fazer as apresentações. Ele está em Betânia [= «Casa do pobre»] ou Bethabara [= «Casa da passagem»] – consoante as versões –, sempre do outro lado do Jordão, como refere bem João 1,28. João coloca-se estrategicamente do outro lado do Jordão, onde um dia o povo do Êxodo parou também, para preparar a entrada na Terra Prometida, atravessando o Jordão (Josué 3).

 

2. Este início do Evangelho de João (1,19-2,12) distribui as ações por dias, organizados em dois blocos de 4 + 3. No primeiro dia (João 1,19-28), João Batista, postado no umbral de Bethabara, é interrogado pelas autoridades acerca da sua identidade. No segundo dia (1,29-34), João Batista acolhe Jesus e apresenta-o a nós. No terceiro dia (1,35-42), alguns discípulos de João Batista seguem Jesus, e Simão recebe o nome de Cefas, única vez nos Evangelhos, que significa Pedra esburacada, acolhedora e protetora. No quarto dia (1,43-51), Jesus chama Filipe e revela-se a Natanael e aos outros discípulos. Estes quatro dias representam em crescendo a preparação remota para a manifestação da Glória de Jesus. Correspondem à primeira parte da preparação para a festa do Dom da Lei, que os judeus celebravam no Pentecostes. Depois destes quatro dias, passa-se logo para o «3.º Dia» (2,1-12), que é o 7.º [= 4+3], e que tem a ver com a manifestação da Glória de Jesus (2,11), que corresponde ao 3.º Dia da manifestação da Glória de Deus no Sinai (Êxodo 19,10-20), para o qual se requerem dois dias de intensa preparação (Êxodo 19,10-11). Se os quatro primeiros dias constituem a preparação remota, os dois seguintes são a preparação próxima para este 3.º Dia! Este era o esquema da preparação do povo para a Festa do Dom da Lei de Deus que se celebrava no Pentecostes.

 

3. O Evangelho deste Domingo II do Tempo Comum (João 1,29-34) mostra-nos o 2.º dia dos primeiros quatro de preparação. João Batista permanece parado em Bethabara [= «Casa da passagem»], desde João 1,28, imóvel e sereno e atento. O lugar em que permanece parado, define-o e define-nos: é um umbral ou limiar. Todo o umbral ou limiar é um lugar de passagem. Estamos de passagem. João Batista ocupa, portanto, o seu lugar estreito e aberto entre o des-lugar e a casa, o deserto e a Terra Prometida, entre o Antigo e o Novo Testamento. É desse lugar de passagem, mas em que está parado como um guarda ou sentinela vigilante, a observar, que João vê bem (emblépô) Jesus a passar (peripatoûnti) (João 1,36) e a VIR ao seu encontro (João 1,29). Como Deus que VEM sempre ao nosso encontro. E apresenta-o como o CORDEIRO DE DEUS, que tira o pecado do mundo. Apresenta-o a nós, pois não é dito que esteja lá mais alguém. Riquíssima apresentação de Jesus. Na verdade, Cordeiro diz-se na língua aramaica, língua comum então falada, talya’. Mas talya’ significa, não só «cordeiro», mas também «servo», «filho» e «pão». Aí está traçada a identidade de Jesus.

 

4. O Espírito de Deus entra na nossa história, descendo e permanecendo na humanidade de Jesus. A humanidade de Jesus é a porta por onde entra em nossa casa o Espírito de Deus. É esta novidade que, do seu posto de sentinela, João Batista está a ver (verbo no perfeito grego), e dela dá testemunho (verbo no perfeito grego). Entenda-se bem: João Batista dá testemunho, não porque viu e já não vê, mas porque viu e continua a ver, exatamente como as testemunhas de Jesus Ressuscitado (João 20). O Filho de Deus feito Homem, sobre quem desce e permanece o Espírito de Deus, Vem ao nosso encontro em Bethabara, para nos fazer entrar em Casa, na Terra Prometida.

 

5. Cordeiro, Servo, Filho, Pão: eis Jesus, manso e dócil, nosso irmão e nosso alimento. O «Segundo Canto do Servo do Senhor» (Isaías 49,1-6), em que Hoje se espelha o Evangelho, já mostra este Servo de Deus, libertado do serviço entre os povos estrangeiros, para se colocar exclusivamente ao serviço do Senhor, que, por isso e para isso, o pode chamar «meu Servo» (Isaías 49,3 e 6). A sua missão será reconduzir Israel para Deus, de quem se tinha afastado física, moral e espiritualmente (Isaías 49,5). Fica, todavia, logo claro que não é suficiente proceder à reunião dos filhos de Abraão. É necessário ir mais longe e refazer o mundo dos filhos de Adam. É necessário ser a Luz das nações, como Jesus (Lucas 2,32) e todos os seus escolhidos e enviados.

 

6. Veja-se Paulo, que faz sua a missão do Servo Israel de ser Luz das nações até aos confins da terra (Atos 13,47). É nesse rastro de Luz que chega um dia a Corinto para lá acender a Luz de Cristo, Senhor Nosso, e velar por essa Luz que arde nas entranhas. É por isso que hoje escutamos também o princípio da correspondência que Paulo estabelece com a comunidade de Corinto (1 Coríntios 1,1-3).

 

7. Cantamos hoje o primeiro andamento do Salmo 40, repetindo o refrão: «Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade!» (v. 7-8). É o cântico novo que ecoa hoje na nossa boca (v. 4), e que se vai ouvindo já por toda a terra. O Salmo 40 apresenta um primeiro andamento de ação de graças (vv. 1-10), seguido logo por um movimento de súplica e lamentação (vv. 11-18). Parece, pois, haver no corpo do Salmo uma estranha divisão. Quem é o «eu» que constata e agradece os benefícios de Deus no v. 1, e quem é o «eu» que, no v. 14, implora ainda com veemência o auxílio de Deus? Esta notória divisão no corpo do Salmo não é ilógica, como muitas vezes tem sido vista. É humana, dado ser também a nossa vida tecida por momentos de sonho e de outros tempos de maior ou menor dificuldade. Em sintonia com o Evangelho de hoje, que põe em cena João Batista, o grande indicador de caminhos, e, sobretudo, do Caminho, que é Jesus, e em sintonia também com a lição do Servo de Deus de Isaías 49, que vem para levar Deus e a sua Luz às nações e aos corações. Como Paulo faz desde Damasco até Corinto, até Roma. Para tanto, todo o Servo de Deus tem de ter os ouvidos escavados (v. 7) e o coração incendiado.

 

Deus fiel,

Fiável,

Sim irrevogável.

 

Matriz fidedigna,

Maternal amor preveniente,

Permanente,

Paciente.

 

Palavra primeira e confidente,

Providente,

Eficiente,

A dizer-se sempre

E para sempre dita.

 

Rochedo firme,

Abrigo seguro,

Alcofa para o nascituro,

Luz no escuro,

Amor forte,

Sem medo da morte e do futuro.

 

Deus fiel e confidente,

Fala,

Que o teu servo escuta atentamente.

Nada do que dizes cairá por terra.

 

A tua palavra à minha mesa,

Minha habitação,

Minha alegria,

Minha exultação,

Energia do meu coração,

Luz que me guia e que me alumia.

 

A minha luz é reflexa,

A minha palavra é lalação,

De ti decorre,

Para ti corre a minha vida,

Dita,

Dada,

Recebida

E oferecida.

O Bispo D. António Couto publica os artigos no blogue Mesa de Palavras

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