Subir e descer o Tabor
DOMINGO II QUARESMA Ano C
“Pedro disse a Jesus:
«Mestre, como é bom estarmos aqui!».”
Lc 9, 33
Muitos já chamaram ao tempo da Quaresma o “retiro” dos cristãos e da Igreja. Um tempo vivido nos ritmos necessariamente habituais, mas habitado por um olhar, uma palavra, uma disposição de coração que procura sentir além da rotina e da pressa dos dias. Alguns têm a graça de uma paragem, uns dias de serenidade e afastamento dos ritmos quotidianos, mas a maioria de nós permanecemos envolvidos no “pára-arranca” do trânsito diário. Como falar então de retiro, serenidade, tempo para reflectir e para rezar? Deserto já temos, servido nas imagens horríveis da “guerra em directo” na Ucrânia! Falta subir o Tabor/Calvário onde se vislumbrem horizontes de perdão e de paz!
Precisamos de parar. Ou pelo menos de reduzir a velocidade para ver melhor a direcção em que vamos. Parar sozinhos e com outros, porque a verdade também se revela na escuta. Parar em Deus, como quem precisa de colo e da sua mão a afagar-nos a cabeça. E acreditar que o nevoeiro se vai dissipar e os nossos olhos, quase cegos de tantas luzes psicadélicas, poderão ver de novo o relevo da vida. Parar para avançar com maior determinação nos caminhos difíceis. Talvez seja preciso subir a um monte como Jesus levou Pedro, Tiago e João. Quantas vezes já sentimos que um retiro é sempre um “pequeno Tabor” e seria tão bom ficarmos ali?!
Simplesmente, o Tabor não é uma meta, antes uma “estação de serviço”. Um breve momento para “atestar” os depósitos da alma com o convite do Pai, e para rever o “mapa” do caminho que tem uma cruz na capa! Jesus mostra a sua glória, mas não oculta que ela se manifestará na cruz da dor e da derrota humana. Leva-os a ver a grandeza daquele horizonte e a beleza indescritível do Filho de Deus, mas desce com eles à estrada dos homens. E esse será sempre o dinamismo dos cristãos: o encontro mais profundo com Jesus impulsiona-nos ao encontro mais profundo com os outros. Mesmo os chamados a uma vocação contemplativa não fogem do mundo, antes mergulham mais nele, oferecendo a sua oração e a vida pelos homens que Deus ama!
O nosso Tabor pode não ser um monte, mas é uma elevação da rotina e da repetição vazia. Pode ser um diálogo mais frequente e amoroso com Ele, ou aquele encontro mais profundo com quem amamos, adiado demasiadas vezes. Pode ser a redescoberta da Eucaristia como “Tabor de todos os domingos”, ou a visita, sem olhar para o relógio, de alguém só, abandonado ou simplesmente irritante. Pode ser a coragem de pegar na Bíblia e ouvir de novo uma palavra que abre horizontes, o compromisso em gestos de paz. É certamente olhar com olhos novos aquilo que já é demasiado habitual. Mas é preciso não esquecer, no alto do monte não se vive: a vida acontece nos caminhos dos homens!