«Gosto é de olhar para a frente»
DOMINGO III QUARESMA Ano C
“Talvez venha a dar frutos.”
Lc 13, 9
Encantou-me esta frase de Simone de Oliveira que dá título a uma entrevista sua à “Visão”, dias antes do derradeiro concerto da sua carreira de 65 anos. Porque já lha ouvi numerosas vezes e é um belo retrato da pessoa autêntica, “uma senhora que diz as coisas, que dá broncas, que diz o que pensa”, como refere que o público a vê. Também porque é uma frase que tem um sabor bíblico, que podemos encontrar em muitas páginas do Evangelho nas palavras de Jesus, sempre a olhar os futuros de todos os que liberta, cura e perdoa.
Há um peso na palavra “pecado” que prende demais ao passado, e faz da reconciliação um julgamento custoso. Há uma tristeza no tempo da quaresma, que se instala no reconhecimento do mal feito sem o entusiasmo expectante da alegria do futuro. Há uma tentação de ficar preso ao que aconteceu, sem a sabedoria da aprendizagem nem a abertura das “janelas” por onde se vêm os horizontes que Deus abre. É preciso mudar de atitude, de pensamento, de olhar e de acção: enfim, olhar para a frente, com Deus que nos ressuscita!
Moisés tinha-se dado mal com a resolução das injustiças pela violência. Desistira de se interessar pela mudança do mundo. É aos oitenta anos que Deus o vai desinstalar e fazer dele libertador de um povo. Porque Deus sai do céu onde gostamos de O colocar: Ele vê, escuta, conhece e desce ao encontro de quem sofre. E a sua resposta ao sofrimento é sempre escolher alguém para construir um futuro que derrote o mal, que salve as pessoas. Escolhe Moisés, como nos escolhe a nós: cada um a pensar em todos!
S. Paulo acorda os coríntios da instalação “religiosa” a que se habituaram. Compara-os aos israelitas que saíram do Egipto e experimentaram a presença de Deus, mas não mudaram a vida e o pensamento. Todos esses morreram sem entrar na Terra prometida. Usando os símbolos do Êxodo, afirma que não basta acreditar em Cristo (novo Moisés), ser baptizado (passagem do mar vermelho), receber o espírito (entrar na nuvem) e alimentar-se da Eucaristia (pão e vinho / maná e água) para a salvação. É preciso a mudança / conversão, uma vida toda em consonância com a boa nova de Cristo. Desinstalar-se do passado e abraçar o futuro.
Jesus resiste à tentação de explicar o mal ou reagir com violência aos sofrimentos do massacre de Pilatos ou da torre que desabou. Não é reactivo mas proactivo. É precisa a coragem da conversão. A violência e a força são prisioneiras do passado, não resolvem nada. Antes criam problemas maiores. Pensar e agir de modo diferente, à maneira de Jesus, torna possível um mundo novo. Por isso a figueira que pode vir a dar frutos é símbolo de cada um de nós. A paciência e a urgência de mãos dadas combatem a indiferença e a derrota. Ah, se conseguíssemos mais “olhar para a frente”…!