O perdão sem limites

Liturgia 18 setembro 2017  •  Tempo de Leitura: 3

Gostamos muito de contabilizar. Procuramos estatísticas, fazemos sondagens, e os números ajudam a planear e projetar. A lei judaica propunha 613 preceitos e mandamentos que os judeus piedosos tentavam escrupulosamente cumprir. Assim, foi natural a pergunta de Pedro a Jesus sobre quantas vezes devia perdoar a seu irmão. Habituado às surpresas do Mestre, não propôs as quatro vezes que os rabinos e os essénios sugeriam e, generosamente, avançou com o número perfeito de sete, hesitando no seu coração se não estaria a exagerar. Mas o exagero surgiu na resposta de Jesus: "Não sete, mas setenta vezes sete!". "Se calhar, mais valia não ter perguntado" - terá pensado Pedro, pois tal resposta punha de lado toda a espécie de casuística ou contabilidade quanto ao perdão.

 

Um biblista chamou ao perdão oferecido por Jesus "a mais bela invenção de Deus". Muito mais do que uma regra amistosa para garantir a convivência social e um equilíbrio dentro da comunidade, o perdão tem a força de uma recriação. A dívida apagada restaura e liberta aquele que a praticou. E para sublinhar a abundante misericórdia de Deus, a parábola dos dois devedores revela a incontável desproporção do amor de Deus comparado com a nossa frequente mesquinhez. Jesus, que pediu a Pedro para não contabilizar o perdão, apresentou o contraste entre o perdão do rei a um servo e a falta de compaixão deste a um companheiro. Cedendo à tentação da contabilidade vejamos os valores em causa: o rei perdoou ao servo uma dívida de 10 mil talentos, isto é, cerca de 350 toneladas de ouro, com o valor atual aproximado de 12 biliões e 250 milhões de euros; ao companheiro, o que foi perdoado, não perdoou uma dívida de 100 dias de trabalho, aproximadamente 1900 euros! Quem não saboreia o valor do perdão dificilmente é capaz de amar.

 

O contraste das dívidas serve para mostrar a surpresa do perdão. De facto ele é sempre inesperado, apagador do passado e transbordante de futuro. É dádiva que ultrapassa a justiça quantitativa e coloca todos em perspectiva de salvação. Viver perdoando parece impossível, pois não coloca a resolução do mal num passado que precisa ser equilibrado, mas num futuro em que o amor não é contabilizado. É Deus a surpreender e a contagiar para sermos como Ele. Que outro nível de humanidade podemos viver se perdoarmos mais e melhor? Que paz mais profunda podemos saborear se nos libertarmos de mágoas e feridas estéreis? Em quantos limites prendemos ainda a jubilosa alegria de perdoar?

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