DOMINGO I DO ADVENTO: «PARA VÓS, SENHOR, ELEVO A MINHA ALMA!»

Liturgia 3 dezembro 2017  •  Tempo de Leitura: 10

1. «Para vós, Senhor, elevo a minha alma» (Salmo 25,1). Antífona do Cântico de Entrada que inaugura a celebração eucarística do Advento, do ano litúrgico, do ano inteiro. Aponta a atitude a assumir pela assembleia fiel e orante: a oblação permanente, a oração constante. Extraordinário pórtico de entrada no Advento e no novo ano litúrgico. Belíssima forma de viver, elevando para Deus a nossa vida: a oração é a nossa vida! A nossa vida em ascensão e oração permanente, sacrifício de suave odor, incenso puro subindo para o nosso Deus. Sempre. O Evangelho dirá com a mesma energia e alegria: «Estai atentos», «vigiai», «não sabeis quando virá o dono da casa» (Marcos 13,33-37). Na verdade, nós não o podemos ver: é como um homem que partiu de viagem (Mateus 13,34). Todavia, tudo o que possuímos foi dele que o recebemos (Mateus 13,34). Portanto, vida levantada, rosto erguido para Deus. É o gesto do justo justificado por Deus (Job 22,26). Página em branco, Primeira e Última, que podemos apresentar a Deus neste início de Advento e de ano litúrgico. É de Deus a palavra e a escrita que não passa (Marcos 13,31).

 

2. A lição do Evangelho de hoje (Marcos 13,33-37) está atravessada pelo verbo «vigiar», por quatro vezes repetido (13,33.34.35.37), em imperativo: uma vez agrypneîte (agr-, negação, e hypnóô, dormir) (v. 33), e três vezes grêgoreîte, vigiar (vv. 34.35.37). No Getsémani, Jesus clarificará em que consiste esta «vigilância», pois aí dirá: «vigiai e orai» (Marcos 14,28). É preciso manter o coração sintonizado com o coração de Deus. Daí as vigílias da noite também enunciadas no v. 35: ao anoitecer (21h00), à meia-noite, ao cantar do galo (03h00) e às matinas (06h00). A locução «estai atentos» atravessa também por quatro vezes o inteiro Capítulo 13 do Evangelho de Marcos (13,5.9.23.33), que é um Capítulo em que Jesus fala para quatro discípulos: Pedro, André, Tiago e João, sentados no Monte das Oliveiras, diante do Templo (Marcos 13,3).

 

3. O Templo ainda está de pé (será destruído no ano 70), e os discípulos admiram a excelência daquelas pedras e do embelezamento do Templo feito por Herodes o Grande, com a intenção captar as boas graças dos judeus, já que Herodes não era judeu, era Idumeu, e estava interessado em ter os judeus do seu lado. Jesus adverte que aquele luxo passaria, e aproveita para lembrar que passará mesmo tudo, também as nossas seguranças (ou aquilo que pensamos estar seguro), sacudidas por guerras, violências, rapinas, perseguições, pelo normal andamento do tempo e da idade. Com a contundência que lhe é conhecida, diz-nos São Paulo que «passa, na verdade, a figura (tò schêma) deste mundo (toû kósmou toúto)» (1 Coríntios 7,31), isto é, tendo em conta a força das palavras e a expressão gramatical de que se revestem, «a figura que passa (na tela) é este mundo». Sem equívocos: a realidade deste mundo é penúltima, não Última. Neste cenário passageiro, há, porém, uma realidade que não passa: a palavra de Jesus (Marcos 13,31). Salta à vista, portanto, que é a esta âncora que nos devemos agarrar, e não à poeira das nossas grandezas ilusórias! Este discurso é dirigido aos quatro discípulos referidos. Mas, o Evangelho de hoje termina com Jesus a dizer: «O que vos digo a vós, digo-o a todos!». Portanto, a nós, hoje, também.

 

4. O escritor argentino Jorge Luis Borges deixou-nos versos densos como estes, acentuando a importância e a intensidade de cada momento da nossa vida a não desperdiçar: «Não há um instante que não esteja carregado como uma arma»; «Em cada instante o galo pode ter cantado três vezes»; «Em cada instante a clépsidra deixa cair a última gota». E o poeta brasileiro Vinícius de Moraes escreveu assim num belíssimo poema: «A coisa mais divina/ Que há no mundo/ É viver cada segundo/ Como nunca mais». É assim, sempre vigilantes, amantes e esperantes, sempre à escuta e à espera de alguém, com Amor imenso e intenso, que rasga o próprio tempo, que devemos encher todos os nossos instantes, como se fosse a primeira vez, como se fosse a última vez. Aprendamos então que tudo no Evangelho é decisivo, pois é-nos mostrado com toda a clareza que cada passo conta, cada gesto conta, cada palavra conta, cada copo de água conta!

 

5. Átrio de um tempo novo, habitado, «carregado» de justiça e de bondade. Obra de Deus no nosso mundo. E só dele. Obra terna, tenra e nova, como um «rebento» de um jovem casal ou de uma planta. Sinal de Primavera no meio da invernia e da lama em que nos vamos atolando, ensonados e enlatados, sem sequer darmos por isso. É, portanto, mesmo preciso que Ele venha e que nos acorde e nos levante da nossa letargia com novas pautas e novos acordes musicais! E que nos dê nomes novos a nós, às nossas cidades, às nossas escolas, aos nossos hospitais, às nossas ruas! Nomes novos, isto é, em termos bíblicos, nova expressão e novas maneiras de viver. Up! Up! Up! Luz nova lá no alto a atrair os nossos olhos embotados. Instrução nova de Deus para todos os povos, armas transformadas em relhas de arado, flores brancas em mãos ensanguentadas (Isaías 2,1-5).

 

6. Isaías serve-nos hoje o mais poderoso Salmo de lamentação popular da Bíblia inteira (Isaías 63,17-64,7), nas palavras de Claus Westermann. Nele confessamos a nossa rebeldia, mas também a nossa fugacidade (somos como folhas secas levadas pelo vento), e invocamos o amor paternal, criador e redentor de Deus, para que venha em auxílio da nossa fraqueza. «Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis», ficará para sempre como um grito maravilhoso de quase inultrapassável intensidade e beleza! E, por nós, Deus, nosso Pai, rasgou mesmo os céus, e veio ter connosco (veja-se o cenário maravilhoso da Incarnação, em que o Verbo de Deus comunga da nossa frágil humanidade, e pode ver-se também o cenário do batismo de Jesus, em que se cumpre a expressão dos céus que se abrem).

 

7. E São Paulo, a abrir a Primeira Carta aos Coríntios (1,3-9) saúda-nos com a Graça e a Paz de Deus, nosso Pai, e refere ainda esta maravilha: «Dou graças ao meu Deus por vós em todo o tempo» (v. 4). Motivo: as inumeráveis bênçãos com que Deus nos tem enriquecido em Cristo Jesus, o único Senhor da nossa vida. O extrato de hoje fecha com a indicação notável de que Deus nos chamou, não a isto ou àquilo, nem sequer a participar na alegria do Messias, como dizem os rabinos acerca de Abraão, mas a participar na comunhão pessoal com o seu Filho, Jesus Cristo (v. 9).

 

8. É neste tom maravilhoso que devemos recitar com amor a autobiografia de Israel, que é também a nossa, e que passa nas notas do poderoso Salmo 80: videira arrancada do Egipto e transplantada para a nossa terra livre, bela, boa e espaçosa. Tratada com amor, cresceu, cresceu, cresceu, encheu a terra inteira de folhagem e de frutos. Porém, abandonada, foi devastada pelo javali, pelos animais do campo, pelos parasitas… É tempo, portanto, de levantar a alma e rezar em todo o tempo: «Senhor, nosso Deus, vinde de novo; fazei brilhar a vossa face, e seremos salvos!».

 

Como é fácil, Senhor Jesus,

Daqui, de ao pé da tua Cruz,

Avistar a paisagem do Advento,

Compreender-lhe a mensagem,

Respirar-lhe o alento.

 

Daqui, de ao pé da tua Cruz de Luz,

Sem dúvida o lugar mais alto do mundo,

Mais alto e mais profundo,

Vê-se bem, com toda a claridade,

Que a lonjura do Advento não é horizontal.

Eleva-se em altura.

Como a tua túnica tecida de Alto-a-baixo,

Vertical,

E sem costura.

 

Tu vens do Alto, Senhor.

Tu vens de Deus.

Tu és Deus.

Tu és o Justo

Que chove das alturas

Sobre a nossa humanidade sedenta e às escuras.

 

Vem, Senhor Jesus,

Alumia e rega a nossa terra dura,

Acaricia o nosso humilde chão

E modela com as tuas mãos de amor

Em cada um de nós

Um novo coração

Capaz de ver.

Capaz de Te ver

Nascer

Em cada irmão.

O Bispo D. António Couto publica os artigos no blogue Mesa de Palavras

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