Livro da semana: «Etty Hillesum – uma vida transformada»

Livros 30 janeiro 2019  •  Tempo de Leitura: 7

“Querido Deus, estamos em tempos de ansiedade. Esta noite… fiquei deitada no escuro com os olhos a arder, enquanto cena após cena de sofrimento humano ia passando diante de mim… Vou tentar ajudar-te, meu Deus, a evitar que a minha força se dissipe, embora não o possa garantir antecipadamente. Contudo, uma coisa se vai tornando cada vez mais clara para mim: que Tu não nos podes ajudar, que temos de ser nós a ajudar-te para nos ajudarmos a nós próprios. E é isso que podemos «arranjar» nestes dias, e também é isso que realmente importa: que salvaguardemos esse pedacinho de ti, meu Deus, dentro de nós… Infelizmente, não parece haver muito que Tu próprio possas fazer pela nossa situação, pela nossa vida. Mas também não te considero responsável. Tu não nos podes ajudar, mas nós temos de te ajudar a ti e de defender o lugar da tua morada dentro de nós até ao fim.” (Etty Hillesum)

 

Patrick Woodhouse pretende, com este ensaio proporcionar ao leitor a oportunidade para mergulhar em profundidade na extraordinária vida de Etty Hillesum (percurso biográfico e espiritual). Desenvolve a sua investigação, a partir do intenso Diário de Etty e das suas cartas, escritas no campo de trânsito de Westerbork (entre 1942-43).

 

Etty Hillesum nasce em Janeiro de 1914, em Middelburg, na Holanda, no seio de uma família judia (pai holandês e mãe russa). Tem dois irmãos mais novos: Japp (medicina) e Micha (música). Ambos são brilhantes nas suas áreas mas sofrem de problemas psicológicos. Etty provem de uma família “profundamente perturbada”: os seus pais têm temperamentos incompatíveis. Este ambiente pode ter influenciado fortemente Etty e os seus irmãos. Estuda Direito e línguas eslavas.

 

O início da sua transformação dá-se quando conhece o terapeuta Julius Spier e começa a escrever o diário a 9 Março de 1941, a pedido deste. Spier, iniciador da vida espiritual de Etty, fornece-lhe os meios para o início da sua metamorfose: com ele aprende, pela primeira vez a pronunciar o nome de Deus, a ler o Antigo e o Novo Testamento, os evangelhos (São Mateus), Santo Agostinho, Tomás Kempis, Mestre Eckhart, e Rainer Maria Rilke. Dá-se o despertar espiritual na prática da oração. Esta vida nova proporciona a Etty a possibilidade de viver a vida de forma inteira e desperta. Os momentos de recolhimento e de solidão constituem para Etty ocasiões de fortalecimento interior e predisposição para a escuta.

 

Etty quis ser testemunha, em Westerbork, do Deus vivo num dos períodos mais sombrios do século XX, quando os outros só viam o silêncio de Deus ela disse que “tem de haver alguém que viva tudo isto e dê testemunho do facto de que Deus continuou a viver, até mesmo em tempos como estes. E porque não havia de ser eu essa testemunha?”

 

Etty Hillesum consegue reflectir sobre a adversidade e sobre o mal absoluto, ao mesmo tempo, que vai descobrindo a presença de Deus na sua vida. Trata-se de uma figura inspiradora no seu tempo e continua a ser uma revelação para todos quantos têm a oportunidade de “tocar” a sua vida através da obra que nos legou.

 

O mais notável é que o que ela viveu “não amargurou nem adormeceu o seu coração”. Apesar de ter vivido no meio do sofrimento mais atroz do século XX, é portadora de uma “espiritualidade de esperança”, “rica imaginação espiritual e sentido da profundidade interior” vertida na sua escrita, tendo conseguido encontrar sentido e beleza até ao fim (a 30 de Novembro de 1943, em Auschwitz) ao ponto de dizer: “Vou tentar ser uma oração”.

 

Ao lermos esta obra podemos fazer nossas as palavras do autor quando afirma que “a sua corajosa história leva-nos a compreender profundamente a natureza de Deus e como o sofrimento e os desgostos podem ser redentores e não destrutivos. Essa compreensão emergiu das lutas da sua vida interior, e as inspirações que ela extraiu da mesma não foram facilmente conquistadas. Aquilo que testemunhamos no seu diário, e através das cartas por ela dirigidas a amigos, é um combate para continuar a viver com esperança e integridade mesmo quando o mundo à sua volta desmorona. As suas maiores armas, nesta luta, são o amor pelas pessoas, o seu profundo sentido de Deus dentro de si e a sua paixão pela verdade.”

 

Informação disponibilizada pela editora sobre o autor à data da publicação desta obra:

 

“Patrick Woodhouse é chantre da Catedral de Wells (Grã-Bretanha), onde é responsável pela música e pela liturgia. Já foi pároco, conselheiro diocesano sobre a responsabilidade social e tem um interesse por questões inter-religiosas. É autor do livro Beyond Words (Para lá das palavras), uma introdução, um guia e uma ajuda para uma forma de oração contemplativa, e de With You is the Well of Life (Contigo está a fonte da vida), uma colectânea de orações de uso público e privado (ambos publicados por Kevin Mayhew).”

 

Índice:

Prefácio – Um nascimento que se dá no fundo da alma – por José Tolentino Mendonça| Introdução | Agradecimentos | Quem era Etty Hillesum? | 1. Um ego emergente | 2. Descobrindo Deus | 3. Recusando o ódio | 4. Perdendo a vida | 5. Vendo de maneira diferente | 6. Uma mulher para nosso tempo | Algumas datas significativas.

 

Público-alvo: Jovem/Adulto

 

Ficha técnica: Título – Etty Hillesum – uma vida transformada | Autor – Patrick Woodhouse | Editor – Paulinas Editora, 1 ed. Junho 2011, págs. 240| ISBN: 5603658114164

Agostinho Faria

Redator Livros

Licenciado em Comunicação Social e Cultural. Pós-graduado em Ciências da Informação e da Documentação. A viajar no surpreendente mundo novo das Paulinas Multimédia Lisboa.

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