Convidado a enunciar o discurso de abertura da 13.ª Assembleia da Federação Mundial Luterana, Tomáš Halík lança um apelo a todos os cristãos que sejam capazes de «transcender as atuais fronteiras mentais e institucionais, confessionais, culturais e sociais», devolvendo ao Cristianismo a sua missão universal.

Sendo o primeiro católico na história a fazer a intervenção de abertura daquele congresso, comparável a um concílio católico, que reúne 800 delegados de 149 Igrejas Luteranas de 99 países diferentes, representando 77 milhões de fiéis, padre Halík prevê que o século XXI seja para as Igrejas um tempo de transformação: do tipo de missão da «nova evangelização» e do ecumenismo – um tempo para uma nova reforma. O objetivo desta «Nova Reforma», remarca o nosso teólogo, é transformar e unir o Cristianismo na luta pela unidade da família humana.

Segundo o teólogo, "O programa de reforma sinodal lançado pelo Papa Franciscopode ter um significado muito mais amplo e profundo do que a necessária reforma da Igreja Católica. Estou convencido de que aqui está o possível início de uma nova reforma do cristianismo, que se baseará tanto no Concílio Vaticano II quanto na revitalização pentecostal do cristianismo global. A reforma da Igreja deve ser muito mais profunda do que a reforma das instituições da Igreja. A fecundidade da reforma e a vitalidade futura do cristianismo dependem da redescoberta da relação com as dimensões espirituais e existenciais da fé. Uma espiritualidade cristã renovada e novamente compreendida pode dar uma contribuição significativa para a cultura espiritual da humanidade hoje, até mesmo muito além das Igrejas".

Ficha Técnica

Título: No limiar de uma Nova Reforma do Cristianismo
Autor: Tomáš Halík
Ano de edição : 2023
Editora: Paulinas
Idioma: Português
Encadernação: Capa mole
Páginas: 32
ISBN: 9789896739072

Pequeno Excerto

Irmãs e irmãos!

O Cristianismo encontra-se no limiar de uma nova reforma. Não será a primeira, nem a segunda, nem a última. A Igreja vive, nas palavras de Santo Agostinho, em permanente reforma, semper reformanda. No entanto, particularmente em tempos de grandes mudanças e crises no nosso mundo comum, é tarefa profética da Igreja reconhecer e responder ao chamamento de Deus em relação a estes sinais dos tempos.

Com Martinho Lutero, o grande mestre da paradoxal sabedoria da Cruz e discípulo dos grandes místicos alemães, devemos aprender nestes tempos a ser sensíveis à maneira como o poder de Deus se manifesta - sub contrario - nas nossas crises e fraquezas. «A minha graça te basta» - palavras de Cristo ao apóstolo Paulo que se aplicam também a nós, sempre que somos tentados a perder a esperança nas noites escuras da História.-se necessária sempre que a forma bloqueia o conteúdo ou inibe o dinamismo do núcleo vivo. O núcleo do Cristianismo é o Cristo vivo e ressuscitado, que vive na fé, na esperança e no amor dos homens e mulheres, na Igreja e bem para lá das suas fronteiras visíveis. Estas fronteiras precisam de ser alargadas, e todas as nossas expressões exteriores de fé exigem transformação, caso se interponham no caminho do nosso desejo de ouvir e compreender a Palavra de Deus.

Duas Reformas paralelas, durante o século XVI - a Reforma Luterana e a Reforma Católica -, enriqueceram, renovaram e aprofundaram o Cristianismo, mas também o dividiram. O século XX também assistiu ao início de duas grandes Reformas paralelas - a expansão global do Cristianismo Pentecostal e o Concílio Vaticano II. Este último marcou a transição (um êxodo) da Igreja Católica do «Catolicismo» (fechamento confessional, oposição ao Protestantismo e à Modernidade) para a Catolicidade, a abertura ecuménica universal.

A mais recente, a Reforma atual, poderá construir-se sobre estas duas «revoluções inacabadas» em curso e, deste modo, dar um passo decisivo em direção à unidade crista: um Corpo, um Espirito, uma Esperança. Mas estou profundamente convencido de que receberemos o dom da unidade entre os cristãos se nos empenharmos num caminho comum, rumo a um ecumenismo ainda mais amplo e profundo.

O ecumenismo do século xxi deve ir muito mais longe do que o ecumenismo do século passado. A unidade entre os cristãos não pode ser o objetivo final da nova Reforma; só pode ser uma consequência do esforço para reunir toda a família humana e assumir uma responsabilidade comum pelo seu ambiente, por toda a criação.

A nova Reforma deve reforçar a consciência da corresponsabilidade cristã por todo o «corpo» do qual fazemos parte, através do mistério da Encarnação do Verbo de Deus: por toda a família humana e pelo nosso mundo comum. Devemos perguntar não apenas o que é que «o Espírito diz às Igrejas, hoje», mas também como é que «o Espírito, que sopra onde quer», atua para além delas. Precisamos de ter a coragem de transcender kenotica-mente as atuais formas e fronteiras do Cristianismo.