Discurso do Papa Francisco na Vigília com os jovens da JMJ Panamá 2019

Jornada Mundial da Juventude 27 janeiro 2019  •  Tempo de Leitura: 20

Queridos jovens, boa noite!

 

Acabamos de ver este belo espetáculo sobre a Árvore da Vida, que mostra como a vida que Jesus nos dá é uma história de amor, uma história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes na terra de cada um. Essa vida não é uma salvação suspensa «na nuvem» – no disco virtual – à espera de ser descarregada, nem uma nova «aplicação» para descobrir ou um exercício mental fruto de técnicas de crescimento pessoal. Nem sequer um «tutorial» com o qual apreender as últimas novidades. A salvação, que o Senhor nos dá, é um convite para participar numa história de amor, que está entrelaçada com as nossas histórias; que vive e quer nascer entre nós, para podermos dar fruto onde, como e com quem estivermos. Precisamente aí vem o Senhor plantar e plantar-Se a Si mesmo; Ele é o primeiro a dizer «sim» à nossa vida, à nossa história e quer que também nós digamos «sim» juntamente com Ele. Ele sempre nos antecipa.

 

Foi assim que surpreendeu Maria, convidando-A para fazer parte desta história de amor. Sem dúvida, a jovem de Nazaré não aparecia nas «redes sociais» de então, não era uma influencer – uma influenciadora digital – mas, sem querer nem procurá-lo, tornou-Se a mulher que maior influência teve na história.

 

Podemos dizer com confiança de filhos: Maria, a influencer de Deus. Com poucas palavras, soube dizer «sim», confiando no amor e nas promessas de Deus, única força capaz de fazer novas todas as coisas. E todos nós hoje tem algo a fazer novo dentro de nós, hoje temos que deixar que Deus renove algo em meu coração. Pensemos um pouco: O que quero que Deus renove em meu coração?

 

Sempre impressiona a força do «sim» desta jovem, daquele «faça-se em Mim» que disse ao anjo. Foi uma coisa diferente duma aceitação passiva ou resignada, ou dum «sim» como quando se diz: «Bem; provemos a ver que sucede». Foi algo mais, qualquer coisa de diferente. Maria não conhecia essa expressão, era decidida, soube de que se tratava e disse sim.

 

Foi algo mais, algo distinto, foi o «sim» de quem quer comprometer-se e arriscar, de quem quer apostar tudo, sem ter outra garantia para além da certeza de saber que é portadora duma promessa.  Pergunto a cada um de vocês: sentem-se portadores de uma promessa? Qual promessa tenho no coração para levar adiante?

 

Maria, sem dúvida, teria uma missão difícil, mas as dificuldades não eram motivo para dizer «não». Com certeza teria complicações, mas não haveriam de ser idênticas às que se verificam quando a cobardia nos paralisa por não vermos, antecipadamente, tudo claro ou garantido. Maria não comprou um seguro de vida, Maria se jogou e por isso era forte, era uma influencer e é uma influencer de Deus.

 

O «sim» e o desejo de servir foram mais fortes do que as dúvidas e dificuldades.

 

Esta noite ouvimos também como o «sim» de Maria ecoa e se multiplica de geração para geração. Seguindo o exemplo de Maria, muitos jovens arriscam e apostam, guiados por uma promessa. Obrigado, Erika e Rogelio, pelo testemunho que nos destes. Foram muito corajosos, merecem um aplauso.

 

Compartilhastes os vossos medos, dificuldades e todo o risco que vivestes à espera da vossa filha Inês. A dada altura dissestes: «A nós, pais, por várias razões, custa muito aceitar a chegada dum bebé portador de doença ou deficiência». Isso é verdade e compreensível! O fato surpreendente, porém, encerra-se naquilo que acrescentastes: «Quando nasceu a nossa filha, decidimos amá-la com todo o nosso coração». Antes da sua chegada, perante todas as notícias e dificuldades que surgiram, tomastes uma decisão e dissestes como Maria «faça-se em nós», decidistes amá-la. Face à vida de vossa filha frágil, inerme e necessitada, a resposta foi um «sim» e, deste modo, temos Inês. Acreditastes que o mundo não é só para os fortes! Muito obrigado!

 

Dizer «sim» ao Senhor é ter a coragem de abraçar a vida como vem, com toda a sua fragilidade e pequenez e, muitas vezes, até com todas as suas contradições e insignificâncias, abraçá-la com o mesmo amor que Erika e Rogelio nos contaram. Assumir a vida como vem. É abraçar a nossa pátria, as nossas famílias, os nossos amigos como são, mesmo com as suas fragilidades e mesquinhices. Damos também provas de que se abraça a vida, quando acolhemos tudo o que não é perfeito, puro ou destilado, mas lá por isso não menos digno de amor. Porventura alguém, pelo fato de ser portador de deficiência ou frágil, não é digno de amor? Pergunto-lhes, um deficiente, uma pessoa frágil é digna de amor? Sim. Entenderam.

 

Outra pergunta, vamos ver como respondem: Porventura alguém, pelo fato de ser estrangeiro, ter errado, encontrar-se doente ou numa prisão, não é digno de amor? Assim fez Jesus: abraçou o leproso, o cego e o paralítico, abraçou o fariseu e o pecador. Abraçou o ladrão na cruz, abraçou e perdoou até àqueles que O estavam a crucificar.

 

Porquê? Porque, só o que se ama, pode ser salvo. Você não pode salvar uma pessoa, você não pode salvar uma situação se não a ama. Só o que se ama, pode ser salvo. Vamos repetir? Só o que se ama, pode ser salvo.

 

Por isso nós podemos ser salvos por Jesus, porque nos ama. Podemos fazer-lhe muitas coisas, mas nos ama, e nos salva, porque só o que se ama pode ser salvo. Só o que se abraça, pode ser transformado.

 

O amor do Senhor é maior que todas as nossas contradições, fragilidades e mesquinhices, mas é precisamente através das nossas contradições, fragilidades e mesquinhices que Ele quer escrever esta história de amor. Abraçou o filho pródigo, abraçou Pedro depois de O ter negado e abraça-nos sempre, sempre, depois das nossas quedas, ajudando-nos a levantar e ficar de pé. Porque a verdadeira queda, aquela que nos pode arruinar a vida, é ficar por terra e não se deixar ajudar.

 

Tem um canto alpino muito belo que cantam ao subir a montanha: na arte de subir a vitória não está em não cair, mas em não permanecer caído, não permanecer caído. A mão para que te erguem. Não permanecer caído.

 

O primeiro passo é não ter medo de receber a vida como ela vem, não ter medo de abraçar a vida, como é. Essa é a árvore da vida que vimos hoje.

 

Obrigado, Alfredo, pelo teu testemunho e a coragem de o partilhar com todos nós. Fiquei muito impressionado quando disseste: «Comecei a trabalhar na construção até quando terminou aquele projeto. Sem emprego, as coisas complicaram-se: sem escola, sem ocupação e sem trabalho». Resumo-o nos quatro «sem» que deixam a nossa vida sem raízes e ela seca: sem trabalho, sem instrução, sem comunidade, sem família. O que significa uma vida sem raízes. Esses quatro ‘sim’ matam.

 

É impossível uma pessoa crescer, se não possui raízes fortes que a ajudem a estar firme de pé e agarrada à terra. É fácil extraviar-se, quando não temos onde firmar-nos. Esta é uma questão que nós, mais velhos, vos devemos colocar; mais, é uma questão que vós devereis colocar-nos e nós temos o dever de vos responder: Que raízes estamos a dar-vos? Quais são as bases que estamos a oferecer-vos para vos construirdes como pessoas? Como é fácil criticar os jovens e passar o tempo murmurando, se os deixamos sem oportunidades laborais, educativas e comunitárias a que agarrar-se para sonhar o futuro! Sem instrução, é difícil sonhar o futuro; sem trabalho, é muito difícil sonhar o futuro; sem família nem comunidade, é quase impossível sonhar o futuro. Porque sonhar o futuro é aprender a responder não só porque vivo, mas também para quem vivo, por quem vale a pena gastar a vida. Isso temos que facilitar nós, os adultos, dando trabalho, educação, comunidade, oportunidades.

 

Como nos dizia Alfredo, quando alguém se vê despedido e fica sem trabalho, sem instrução, sem comunidade e sem família, no fim do dia sente-se vazio e acaba por preencher aquele vazio com uma coisa qualquer. Porque já não sabemos para quem viver, lutar e amar.

 

Aos adultos que estão aqui e que nos acompanham, pergunto: O que fazemos para gerar vontade no jovem de hoje? Sou capaz de lutar para que tenham educação, trabalho, família, comunidade? Cada um dos idosos, vamos responder no coração.

 

Lembro-me que uma vez, conversando com alguns jovens, me perguntaram: «Padre, porque é que hoje muitos jovens não se interrogam se Deus existe, ou sentem dificuldade em crer n’Ele e evitam comprometer-se na vida?» Respondi: «E vós, que achais?» Dentre as respostas que surgiram na conversa, recordo uma que me tocou o coração e está relacionada com a experiência que Alfredo partilhou: «Porque muitos deles sentem que, para os outros, pouco a pouco deixaram de existir, frequentemente sentem-se invisíveis». Muitos jovens sentem-se que deixaram de existir para os outros, a família, a comunidade, então, muitas vezes sentem-se invisíveis.

 

É a cultura do abandono e da falta de consideração. Não digo todos, mas muitos sentem que não têm nem muito nem pouco para dar, por falta de espaços reais que a isso os convoquem. Como hão de pensar que Deus existe se, para seus irmãos, há muito que deixaram de existir? Assim estamos empurrando a não olhar o futuro e caindo nas garras das drogas, de qualquer coisa que os destrua. Podemos nos perguntar: O que faço com o jovem que vejo? Eu critico ou não me interessa, ajudo ou já não me interessa? É verdade que para mim deixaram de existir há tempos?

 

Bem sabemos que não basta estar conectado o dia inteiro para se sentir reconhecido e amado. Sentir-se considerado e convidado para algo é mais do que permanecer «em rede». Significa encontrar espaços onde possais, com as vossas mãos, com o vosso coração e com a vossa cabeça, sentir-vos parte duma comunidade maior que precisa de vós e, vice-versa, vós precisais dela também.

 

Isto, compreenderam-no muito bem os santos. Penso, por exemplo, em São João Bosco, que não foi procurar os jovens em qualquer lugar. Aqueles que gostam de Dom Bosco, um aplauso. Dom Bosco não foi buscar os jovens em nenhum lugar distante ou especial, mas aprendeu a ver tudo o que acontecia na cidade com os olhos de Deus, ficando impressionado com as centenas de crianças e jovens abandonados, sem escola, sem trabalho e sem a mão amiga duma comunidade. Havia muita gente que vivia naquela mesma cidade, e muitos criticavam aqueles jovens, mas não sabiam vê-los com os olhos de Deus. Aos jovens, devemos olhá-los com os olhos de Deus.

 

João Bosco fê-lo e animou-se a dar o primeiro passo: abraçar a vida como ela se apresenta; e, a partir disto, não teve medo de dar o segundo: criar com eles uma comunidade, uma família onde se sentissem amados com trabalho e estudo, ou seja, dar-lhes raízes a que agarrar-se para poderem chegar ao céu, para que possam ser alguém na sociedade, dar raízes para que se agarrem e não caiam com o vento, isso fez Dom Bosco, isso fazem os santos, isso fazem as comunidades que sabem olhar os jovens com os olhos de Deus. Vocês, adultos, animam-se a olhar os jovens com os olhos de Deus?

 

Penso em muitos lugares da nossa América Latina onde se promove a chamada família grande lar de Cristo, com o mesmo espírito da Fundação João Paulo II de que nos falava Alfredo, e muitos outros centros, que procuram receber a vida como ela vem na sua totalidade e complexidade, porque sabem que «para a árvore há uma esperança: cortada, pode ainda reverdecer e deitar novos rebentos» (Job 14, 7).

 

E sempre é possível «reverdecer e deitar novos rebentos», quando há uma comunidade, o calor duma casa onde criar raízes, que oferece a confiança necessária e prepara o coração para descobrir um novo horizonte: horizonte de filho amado, procurado, encontrado e dedicado a uma missão. O Senhor torna-Se presente por meio de rostos concretos. Dizer «sim», como Maria, a esta história de amor é dizer «sim» como instrumentos para construir, nos nossos bairros, comunidades eclesiais capazes de percorrer as estradas da cidade, abraçando e tecendo novas relações. Ser um influencer no século XXI significa ser guardião das raízes, guardião de tudo aquilo que impede a nossa vida de tornar-se «gasosa», evaporando-se no nada.

 

Vocês, adultos, são guardiões de tudo o que permite sentir-nos parte uns dos outros, pertencer-nos mutuamente.

 

Isto mesmo viveu Nirmeen na JMJ de Cracóvia. Encontrou uma comunidade viva, alegre, que veio ao encontro dela, deu pertença, por isso identidade, fê-la sentir-se parte dela e permitiu-lhe viver a alegria que comunica a maravilha de ser encontrada por Jesus. Ela se desviava de Jesus, estava sempre distante, até que alguém lhe fez ver as raízes, lhe deu pertença e essa comunidade a incentivou a começar essa caminho que ela nos contou.

 

Uma vez, um santo interrogou-se: «O progresso da sociedade servirá apenas para chegar a possuir o último modelo de carro ou adquirir a última tecnologia do mercado? Nisto se resume toda a grandeza do homem? Não há mais nada que isto para viver?» (Santo Alberto Furtado, Meditación de Semana Santa para jovens, 1946). E eu pergunto-vos: É esta a vossa grandeza? Não!

 

A grandeza não é somente possuir o último carro, adquirir a última tecnologia do mercado. Não teríeis sido criados para algo maior? Maria compreendeu-o e disse: «Faça-se em Mim». Erika e Rogelio compreenderam-no e disseram: «Faça- se em nós». Alfredo compreendeu-o e disse: «Faça-se em mim». Nirmeen compreendeu-o e disse: «Faça-se em mim». Tudo o que ouvimos aqui. Amigos, pergunto-vos: Estais dispostos a dizer «sim»? Sim! Aprenderam a responder, já gosto mais.

 

O Evangelho ensina-nos que o mundo não será melhor por haver menos pessoas doentes, debilitadas, frágeis ou idosas de que ocupar-se, nem por haver menos pecadores, mas será melhor quando forem mais as pessoas que, como estes amigos, estiverem dispostas e tiverem a coragem de dar à luz o amanhã e acreditar na força transformadora do amor de Deus. A vocês jovens, pergunto: Quereis ser influencer no estilo de Maria? Ela teve a coragem de dizer «faça-se em Mim»? Só o amor nostorna mais humanos, mais plenificados, o resto não passa de remedeio bom, mas vazio.

 

Dentro de momentos, na Adoração Eucarística, encontrar-nos-emos com Jesus vivo na Eucaristia. Certamente tereis muitas coisas para Lhe dizer, para Lhe contar sobre várias situações da vossa vida, das vossas famílias e dos vossos países.

 

Encontrando-vos na sua presença, face a face, não tenhais medo de Lhe abrir o coração pedindo que renove o fogo do amor d’Ele, vos induza a abraçar a vida com toda a sua fragilidade e pequenez, mas também com toda a sua grandeza e beleza. Que Jesus vos ajude a descobrir a beleza de estar vivo e acordados, vivos e acordados.

 

Não tenhais medo de Lhe dizer que vós também quereis fazer parte da sua história de amor no mundo, que sois para um «mais»!

 

Amigos, peço-vos também que, neste face a face com Jesus, sejam bons, rezeis por mim para que também eu não tenha medo de abraçar a vida, guarde as raízes e diga com Maria: «Faça-se em mim segundo a tua palavra».

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