Diário da JMJ 2 – Os peregrinos que não vieram
A Idalina já tinha começado a preparar a casa do cunhado para receber dois peregrinos, a Rosário ainda tem no chão da sala os dois colchões que tinha lá colocado para dois dos quatro que contava receber, a minha tia São já tinha limpado o meu sótão para acolher uma parte dos 15 peregrinos que me tinha disponibilizado a acolher. Esta segunda-feira devia ter sido o dia de acolhermos uma muito pequena parte da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) na minha aldeia onde tínhamos lugar para 50 pessoas em famílias e 100 na associação recreativa.
O Comité Organizador Local (COL, a “direção” da JMJ) pediu à vigararia de Alenquer (que inclui os concelhos de Alenquer, Arruda e Sobral) que arranjasse lugar para 8 mil peregrinos. Cada Comité Organizador Paroquial (COP) mobilizou famílias, associações, juntas e câmaras e recebemos um balde de água fria há duas semanas: iriamos receber pouco mais de 700 e ficavam só nas sedes dos concelhos.
A Tina, que passou os últimos anos a angariar voluntários e por razões de saúde não pode ir a Lisboa, sentiu que lhe estavam a tirar a Jornada; o João, que passou quatro anos a mobilizar vontades, juntando paróquias e grupos e tinha conseguido lugar para mais de mil peregrinos, ficou sem saber como explicar que afinal famílias, associações e juntas não eram necessárias. Afinal, as paróquias deles ainda vão receber, mas só 300 e apenas a partir de sexta-feira. Em todo o concelho de Alenquer, serão recebidos cerca de dois mil peregrinos, mas só para o fim-de-semana final.
As sedes dos concelhos de Alenquer, Arruda e Sobral estão a cerca de meia hora de Lisboa, mas não fazem parte da Área Metropolitana (AML). Por isso, não entraram na distribuição de peregrinos que só precisam do passe Navegante. Para virem para estes lados, os grupos teriam de vir de autocarro e tê-lo ao seu dispor durante toda a semana para ir até Lisboa. As dificuldades de transporte, a eventual entrega de alguns documentos em cima do prazo, pouco conhecimento nos serviços de alocação de todas as realidades da diocese ou algum outro critério terão feito que este dia tenha sido de algum vazio para muitos que se empenharam durante anos a preparar localmente a semana da JMJ. E de deceção para muitos outros que programaram férias de forma a estarem disponíveis toda a semana para bem receber quem vem de longe e que viria trazer até muitos mais a festa da Jornada.
Lisboa é, como costuma dizer o cardeal Manuel Clemente, a diocese dos 4 As – vai de Alcântara a Alcobaça e de Azambuja ao Atlântico – mas tem realidades bem diferentes: tem uma componente muito urbana, com paróquias mais jovens, com mais famílias e onde os movimentos eclesiais, como as Equipas Jovens de Nossa Senhora ou o Caminho Neocatecumenal, ou ordens, como os jesuítas ou os salesianos, têm influência e mobilizam muita gente; mas a diocese também ainda tem realidades rurais que, apesar de perto da capital, vivem a outro ritmo e sentem de forma mais acentuada os efeitos do envelhecimento e do despovoamento, da falta de transportes e da distância dos serviços. Esta segunda-feira, essa diferença acentuou-se mais um bocadinho.
Esta terça-feira será, contudo, um novo dia, o dia do início oficial da Jornada, de começarmos a peregrinar diariamente com os jovens até aos eventos centrais. De ultrapassar a desilusão e a distância e entrar na onda do entusiasmo e da festa.