Diário da JMJ 4 – Fé em Deus e confiança nos homens
O meu amigo Ricardo é um homem de fé. Fé em Deus e confiança nos homens. Somos amigos improváveis – uma aldeã do Oeste e um beto do Restelo – há 26 anos, ou seja, mais de metade das nossas vidas. Uma amizade que tem sobrevivido às mudanças de idade, de país (no caso dele), de vocações, de empregos e que continua a surpreender-me.
Agora ele vive em Belém e inscreveu-se para alojar peregrinos. Era suposto alojar dois padres, mas apareceram-lhe dois mexicanos que não são padres, nem se conheciam. Acrescentou ainda um espanhol que veio para Lisboa confiante que, à chegada, encontraria alojamento. E encontrou: o Ricardo cedeu-lhe a cama. E, mostrando uma confiança desmedida, entregou-lhes a chave de casa, criou com eles um grupo de WhatsApp e mudou-se por uns dias.
Esta quarta-feira, o Ricardo foi um dos meus encontros na JMJ. Encontramo-nos no centro de imprensa antes de ele ir comentar na SIC e depois fomos comer pasteis de nata. Ultrapassando a minha tristeza por não estar nos Jerónimos a ouvir o Papa, ri-me divertida com a confiança dele, como há 20 anos me irritava quando ele me dizia que me preocupava demais. Estávamos nisto quando um dos mexicanos lhe enviou uma mensagem a perguntar se podia trocar de lugar na casa por uma ou duas noites com um colega, monitor do mesmo grupo, mas que ficou num pavilhão e tem tido dificuldade em dormir. Claro que o Ricardo disse que sim e terá a dormir na sua casa alguém de quem nem sabe o nome.
Precisamos de recuperar esta confiança na humanidade e a JMJ também serve para isto. Para reanimar a esperança, para reacender a luz da fé. Foi o que o Papa pediu à Igreja na homília que fez para o clero, os religiosos e os agentes pastorais no Mosteiro dos Jerónimos: ultrapassar o medo e as trincheiras, o desânimo e o cansaço para voltar a manifestar a fé em Deus e recuperar a confiança dos homens.
Esta recuperação da confiança é um caminho que tem de ser feito em dois planos: por um lado, a Igreja, depois do escândalo dos abusos e da forma atabalhoada como tentou dar resposta, tem de se voltar a credibilizar como instituição para recuperar a confiança dos de dentro e dos fora; por outro, a hierarquia tem de confiar mais nos membros desta Igreja viva para trilhar num caminho de coresponsabilização de todos pela casa comum dos batizados. É esse o caminho que Francisco tem apontado com o sínodo em curso e que veio apontar em Lisboa, esperando que as maravilhas que esta JMJ esteja a fazer em cada um contaminem estruturas anquilosadas e derrubem lugares instalados.