Para lá do Trancão há chão de terra, o que até nem é mau porque também há de pedras. O entusiamo da Júlia, de 12 anos, acabou por arrastar o gémeo Jaime para a Jornada. Mas o pai da Teresa, um dos adultos que foi com eles ao Campo da Graça, acabou por levá-los a casa: não havia condições para ali ficarem, dormiram nas suas camas e este domingo ficaram em casa.

Para lá do Trancão havia menos casas-de-banho, menos pontos de água, mas muito mais peregrinos. Tantos que não cabiam nos blocos a eles reservados e muitos dormiram nas vias de passagem. No C9, onde fui dormir com os adolescentes e ministros da comunhão da minha paróquia, a terra era fina e macia, mas todos estávamos muito apertados, sem espaço para esticar as pernas e com o risco de pisar qualquer pessoa cada vez que era preciso ir à casa-de-banho ou reabastecer a garrafa de água. Tanto assim que, de manhã, preferiam ir mais para trás, para o D12, onde quase todos os ministros da comunhão da vigararia de Alenquer tinham de estar para a missa.

Um dos que não estava no D12 era o Luis. No formulário com os dados colocou em primeiro lugar o nome da padroeira – Nossa Senhora dos Anjos – e foi tomado como sendo da paróquia lisboeta dos Anjos, pelo que foi distribuir a comunhão para o A10, logo atrás de convidados e padres.

Para lá do Trancão, houve postos de saúde que passaram quase todo o sábado sem material devido à falta de coordenação entre serviços de logística e segurança; houve profissionais de saúde que fizeram turnos de 18 horas porque quem os vinha render não conseguia chegar. Para lá do Trancão foi preciso montar um posto de emergência não previsto porque a massa de peregrinos era enorme, o calor era muito e as portas do Parque Tejo abriram só à hora de almoço o que provocou grandes ajuntamentos.

Para cá do Trancão, quase junto ao altar palco havia um quadrado de catering para convidados. Croquetes e rissóis no sábado, pasteis de nata e bolas de Berlim no domingo depois da missa. Mesmo ali ao lado, faltaram corredores para os que têm dificuldades: as cadeiras de rodas tiveram de saltitar entre as pedras das “estradas” e a irregularidade dos relvados.

Para cá do Trancão sobraram lugares nas cadeiras na noite de sábado. Eram talvez demasiadas, colocando lá mais para trás os peregrinos dos países mais pobres que Francisco tinha pedido que ficassem nos blocos mais perto do altar. Os lugares na noite de sábado foram, em parte, entregues aos comités organizadores paroquiais (COP), num máximo de quatro por COP. Também os membros do coro tiveram direito a duas pulseiras de convidado para família e amigos. Mas o convite era só para a vigília, domingo os lugares foram tomados por convidados mais oficiais. Os pedidos para convites, aliás, choveram junto de vários setores da organização na última semana, à medida que a Jornada de Lisboa ia correndo bem e entusiasmando quem durante anos ignorou ou duvidou do evento.

Para cá do Trancão, havia um centro de imprensa pouco maior do que a minha sala, como se não fosse ali que iam concentrar os principais eventos e, portanto, também o maior número de jornalistas que cedo ficaram sem rede suficiente para trabalhar.

Pormenores efémeros, talvez, diante da imensidão do que aconteceu nos últimos dias e, sobretudo, diante da mensagem evangélica de Francisco e do silêncio da multidão diante do Corpo de Cristo. Pormenores que tornaram penitência o fim-de-semana de alguns e mais penoso o serviço de muitos, mas não impediram a festa feita noite fora em muito locais do campo, nem quebraram o entusiasmo da Júlia e também da Carlota e da Iris, que acompanharam as mães na noite no C9 e na missa no Campo da Graça. Todas já disseram que querem ir à Coreia em 2027.

[Eunice Lourenço]