O deserto outra vez!

Cartas a uma amiga 8 março 2025  •  Tempo de Leitura: 4

Gosto de pensar na Quaresma como uma oportunidade, como um tempo de potenciar mudanças, de arrumar gavetas, e de procurar cá dentro o que realmente desejo.

 

Chamo-lhe, carinhosamente, a minha ”ida ao deserto”. Não passo o ano inteiro à espera disto, e nem aguardo a Quaresma para “ser melhor” pois acho que esse processo é e deve ser contínuo se não é mera hipocrisia. Aproveito é tudo aquilo que me é dado a viver e a renunciar, o que é dado a dizer e também a silenciar.

 

Acredito que é um tempo forte, não só porque assim o definiram, mas porque é assim que o quero viver. Para muitos são 40 dias como outros quaisquer, mas para mim não! É uma decisão pessoal que não implica que ande com cara de triste e flagelada, mas com vontade de esvaziar alguns sentimentos e recomeçar.

 

Permito-me sentir ser “cinza”, mas recuso-me a pensar que nada valho.

Permito-me Jejuar, mas sem queixas nem lamúrias.

Permito-me a Abster e a compreender o sacrifício que daí advém.

E permito-me a sentir que esse caminho só faz sentido com a presença de Jesus.

 

Neste tempo, reforço a minha leitura e oração, reforço o meu silêncio, mas não escondo ideias nem projetos. Recuso-me a considerar que ir ao deserto significa deixar tudo, mas assumo que pode implicar tomar decisões libertadoras. As tentações são inúmeras, e muitos dirão que não valerá a pena o esforço, e para alguns talvez não valha. Eu gosto de acreditar que em cada Quaresma algo se transforma, umas coisas se fortalecem, outras são deixadas para trás e outras continuam connosco por mais uns tempos.

 

Gosto da Quaresma porque me desafia, mas essencialmente porque me convida, ano após ano, a entrar na paixão de Cristo e a acompanha-lo na sua Via Sacra. É nestas últimas horas de Jesus que procuro a minha maior reflexão:

 

Quando injustamente condenei ou fui condenada?

Quando fui traída pelos meus amigos e encontrei amparo em ilustres desconhecidos?

Quando, tal como Maria, me senti completamente impotente perante a dor dos meus?

Quando, apesar da dor tive a força para consolar em vez de ser consolada?

Quando me senti humilhada, ofendida?

Quando senti que parte de mim morreu afundada na tristeza?

….

 

E rezo por todos os que ainda são crucificados, tanto às mãos de tiranos, como até nas mãos dos que mais amam. Os que são crucificados pela cor de pele, religião ou etnia. Pelos que são crucificados por serem diferentes, frágeis ou simplesmente não estarem com o fato certo na sala certa.

 

E rezo…não só por eles mas em especial pelos que crucificam, os carrascos da história atual. Sim, por eles, pois a minha única esperança é que um dia, eles “vão ao deserto” e encontrem Cristo. Porque, acredito que esse encontro os irá transformar, e é nele que confio para que a Páscoa seja uma verdadeira libertação para todos os que eles oprimem.

 

Por isso, se quiseres, se puderes, vive esta Quaresma com propósito especial e promove o teu encontro com Deus e ao rezares lembra-te que a tua cruz é a expressão mais bela do amor que tens por todos os que te rodeiam.

 

Hoje não termino com uma pergunta, mas com um convite: “toma a tua cruz e Segue-O”

Raquel Rodrigues

Cronista "Cartas a uma amiga"

Raquel Rodrigues nasceu no último ano da década 70 do século passado. Cresceu em graça e em alguma sabedoria, sendo licenciada em Gestão, frequenta o mestrado em Santidade: está no bom caminho!

Aproveita cada oportunidade para refletir sobre os sentimentos que as relações humanas despertam e que, talvez, sejam comuns a muitas pessoas. A sua escrita é fruto da vontade de partilhar os seus estados de alma com a “amiga” que pode bem ser qualquer pessoa que leia com disposição cada uma das suas cartas.

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