Ano da Vida Consagrada: Os leigos consagrados
Quando, a 28 de Outubro de 1965, se publicou o Decreto Perfecta Caritatis, dava-se origem à renovação dos institutos de vida religiosa, na fidelidade à novidade trazida pelo Vaticano II. Este documento procurou ser o estímulo para que a vida consagrada acompanhasse a renovação eclesial. Nem podia ser de outro modo, pois a vida consagrada faz parte da essência da Igreja.
De registar que nos parágrafos 10 e 11 se aborda a possibilidade de existirem leigos e leigas «consagrados» através dos mesmos três votos dos conselhos evangélicos [pobreza, obediência e castidade], sem que sejam considerados religiosos. Na verdade, são chamados leigos consagrados, vinculados a um instituto secular. A existência destes parágrafos justifica-se porque ao tempo não estava ainda claramente definida a distinção entre religiosos e leigos consagrados, o que veio a ocorrer mais tarde. Mais uma vez se verifica que o Espírito suscita sempre dinamismos novos na Igreja e que a capacidade de os compreender e «catalogar» é sempre posterior, como não podia deixar de ser.
O que não deixa de ser evidente é que a fidelidade ao testemunho trinitário presente na Igreja suscitou ao longo dos séculos as comunidades de vida monástica e de vida apostólica nas quais germinou, apoiando-se, uma sobre a outra, a experiência pastoral e o aprofundamento teológico. No nossos dias, tal como no passado, há de ser nestas comunidades onde a fé e a reflexão sobre a mesma se realiza que se há de restaurar os seus verdadeiros fundamentos. É na circularidade de carismas, descobertos e vividos por comunidades espiritualmente livres, onde se desenvolverão os caminhos de uma renovação espiritual, teológica e missionária, digna do chamamento profético do Vaticano II (Cf. Marie-Joseph Le Guillou).
Estas novas organizações de apostolado secular, excepcionalmente dinâmicas, chegariam a ser denominadas pelo termo genérico de «movimentos», expressão que nem o Vaticano II nem o Código de Direito Canónico empregam ao referir-se aos cristãos leigos, pois falam mais de associações seculares. João Paulo II utilizou-a em 1981, referindo-se aos novos movimentos na Igreja que é ela mesma movimento. Na Redemtoris Missio assinala como uma novidade surgida recentemente em não poucas Igrejas o grande desenvolvimento dos movimentos eclesiais, dotados de um forte dinamismo missionário.
Na Igreja-movimento, estes movimentos sobressaem e chamam a atenção pela sua novidade e por um dinamismo espiritual, missionário e evangelizador; supõem uma forte interpelação para outras realidades eclesiais mais antigas e tradicionais que o tempo foi anquilosando e que a modernidade fez com que experimentassem uma amarga decepção de impotência, assim como a ineficácia dos seus métodos, ainda que tivessem algum desejo de evangelizar e não só de ‘manter a fé’. Logo, esta novidade do Espírito, que leva alguns batizados a consagrarem a sua vida à causa do Reino, não pode deixar de ser considerada na hora de redescobrir os «velhos» modos de viver a especial consagração.
Estas novas realidades têm a característica de estarem dotadas de uma certa imprevisibilidade, mutabilidade, assombro, profunda novidade, gratuidade e liberdade. Não podia ser de outra forma, ao serem expressão da ação do Espírito Santo na Igreja.