Desculpa-me, mas não te perdoo!
Não consigo olhar para ti sem me lembrar do que me fizeste. Sem me lembrar de todas as vezes que foste um Judas. Desculpa-me mas não te perdoo. Espero que fiques com a culpa só para ti e que ela te ferre as suas raízes como uma agulha. Todos os dias. E que, quando te estiveres quase a esquecer dela, espero que a culpa faça nascer flores em ti. Flores bonitas e de cores muito vivas. Para não te conseguires livrar delas mesmo que queiras. Desculpa-me mas não te perdoo. Não te perdoo o dinheiro que me ficaste a dever. Não é pelo dinheiro. É pela atitude. Não te perdoo teres dito que não cuidavas da mãe porque tinhas mais que fazer. Que ela na tua casa não ficava porque a casa era tua e não era dela. Não te perdoo teres estado dez anos sem visitar o pai e, quando ele morreu, teres sido a primeira a aparecer, toda bem vestida e pronta para receber aquilo que nunca foi teu. Tiveste o descaramento de sorrir enquanto todos nós chorávamos. Devias ter vergonha. Não te perdoo. Desculpa-me. Fui teu amigo de todas as horas. Eras um irmão. Passei noites em claro enquanto tremias de febre. Não precisavas de pedir ajuda porque sabias que eu estaria sempre ali. Depois, deixaste de me falar e trocaste a nossa amizade de infância por noites de copos, jantares caros, um carro que não podias pagar e por pessoas com quem dizias nunca querer estar. Trocaste os valores que defendemos juntos durante a vida toda por fotografias em sítios da moda. Trocaste o importante por uma capa de aparências. Desculpa. Não te perdoo. Confiei em ti. Disseste que querias que eu fosse a pessoa mais feliz do mundo. E que a culpa dessa felicidade fosse tua. Convenceste-me a usar um anel depois de eu ter dito a todas as minhas amigas que nunca o faria. Depois, conheceste outras pessoas mais interessantes e mais bonitas e deixaste-me a mim e ao teu filho. Tens agora uma família cujos sorrisos nasceram à custa das minhas lágrimas. Não mereces nada. Desculpa-me mas não te perdoo.
E, de repente, há uma voz dentro da cabeça. Não eras tu que dizias que ias ser diferente dos outros? Não eras tu que dizias que querias ser paz em vez de guerra? Não eras tu que querias mudar o mundo? Então olha para ti. Devagar. E tu, o que fizeste de imperdoável? Desculpa, mas há que perdoar. Até quando? Até ao fim do caminho.