“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Mt 4, 16), Domingo III do T.C.
Após o batismo nas águas do Jordão e da vitória da Palavra de Deus contra as tentações da aridez do deserto e do vazio, Jesus dirige-se para as margens do Mar da Galileia. “Deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum, terra à beira-mar, no território de Zabulão e Neftali. Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara ao dizer: «Terra de Zabulão e terra de Neftali, estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios: o povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam na sombria região da morte, uma luz se levantou». (Mt 4, 13-16).
Chegou a sua hora, a hora de chamar os que andavam perdidos. É de anotar o gesto e a vontade de Jesus, que começa o seu ministério e anúncio do Reino de Deus, numa região habitada por judeus semipagãos – pois “a luz verdadeira que ilumina todos os homens”. Aqueles que se julgavam conhecedores da lei e dos profetas, os estudiosos e instruídos santos de Jerusalém, que ditavam e definiam regras e leis que subjugavam o povo com uma conduta moral e eticamente correta, estavam cheios de si mesmo e vazios de Deus. Para encher o nosso espírito de Deus é preciso esvaziarmo-nos de nós mesmos, das nossas vaidades e muitas certezas teológicas e morais. A mensagem é tão simples e ao mesmo tempo tão complexa, mas é Una e única. Não cabe ao homem julgar pois os planos de Deus fogem da nossa lógica. O Filho de Deus, o Rabi, o Mestre, não escolheu Jerusalém (o centro político e Religioso de Israel) para ensinar e anunciar. O palco escolhido pelo Filho de Deus foi a Galileia, terra desprezível.
Ao caminhar pelas margens do Lado da Galileia, Jesus encontra os primeiros quatro discípulos: Pedro, André “Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens” – “farei de vós especialistas do coração do homem, aprendereis a escutá-lo, a responder à sua fome de liberdade, de felicidade, de amor. Pescareis homens para a vida. Levá-los-eis da vida sepultada à vida exposta ao sol” (Ermes Ronchi – A Esperança que nasce da Palavra, Paulinas editora). Mais à frente chamou Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Estes primeiros discípulos de Jesus deixaram o barco, largaram as redes e abandonaram o pai e a família. Deixar o pai é romper com a antiga tradição e optar pela mensagem de Jesus Cristo.
“A imagem «vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens» é tomada da atividade dos primeiros Apóstolos. Não estavam a pescar com o anzol, mas com rede, e a sua obra consistia em tirar do mar os peixes. Pois bem, no simbolismo bíblico o mar era a morada do demónio, das doenças e de tudo aquilo que se opõe à vida. Era profundo, obscuro, perigoso, misterioso, terrível. No mar viviam os monstros, e nele nem mesmo os marinheiros mais hábeis se sentiam seguros. Pescar homens significa retirá-los da condição de morte em que se encontram, significa subtraí-los às forças do mal que, como correntes impetuosas, os dominam, arrastam e submergem” (Fernando Armellini – O Banquete da Palavra, Paulinas Editora).
O anúncio de Jesus é um desafio ao ouvinte para se arrepender e mudar de vida, pois o Reino de Deus está próximo. Diz Ermes Ronchi “a conversão não é a causa da luz, mas o efeito da tua noite tocada pela alegria da luz, que abre o júbilo como uma flor. O que converte o frio em calor é a proximidade do fogo, não um imperativo”.
E passava pelo mundo fazendo o bem, é desta forma que podemos sintetizar o trecho do Evangelho hoje escutado. Jesus ensinava e curava, não ficando em nada indiferente às enfermidades da humanidade. O olhar de Jesus penetrava nos corações feridos e perdidos e a luz voltava a brilhar onde outrora as trevas reinavam. É esta linha que devemos seguir, tal como insiste também o Papa Francisco “Quero que a Igreja vá para as ruas. Quero que nos defendamos de tudo o que seja acomodação e ficar fechado em torno de nós mesmos”.