Missa em Santa Marta: Nostalgia das raízes

Vaticano 6 outubro 2017  •  Tempo de Leitura: 8

Pôr-se «a caminho para voltar a encontrar as próprias raízes» e nelas ganhar «a força de ir em frente». Eis o itinerário humano e espiritual sugerido pelo Papa na homilia da missa celebrada em Santa Marta na manhã de 5 de outubro. Um percurso importante e iniludível porque, disse, «um povo sem raízes está doente» e «uma pessoa sem raízes está enferma».

 

A inspiração para a reflexão foi tirada da primeira leitura do dia (Neemias, 8, 1-4.5-6.7-12) na qual se narra de uma «grande assembleia litúrgica» que, após o exílio, vê todo o povo de Israel «reunido no templo». Trata-se, explicou, do «fim de uma história que durou mais de sessenta anos», a «deportação do povo de Deus para a Babilónia». Foram anos «de tristeza» e «de pranto». O pranto de Neemias «quando recordava Jerusalém; recordava as notícias recebidas dos poucos que tinham permanecido ali, na miséria, na escravidão... chorava muito. Havia tristeza no seu coração». Foi então que «o Senhor moveu o coração do rei para compreender aquela tristeza, quando Neemias servia o vinho». E ali começou «o diálogo para regressar a Jerusalém», para «voltar para casa».

 

Francisco refletiu sobre a tristeza do povo de Israel, que tinha «nostalgia da sua cidade e chorava». Uma nostalgia expressa, por exemplo, no salmo 136, onde se diz que eles, «à margem dos rios da Babilónia, se sentavam e choravam». De resto, como podiam «entoar os cânticos do Senhor em terra estrangeira»? Com efeito, as suas «harpas estavam ali, à sombra dos salgueiros». E no entanto, frisou o Papa, «não se esqueciam. É verdade: a recordação pode esmorecer, mas eles tinham a vontade de não esquecer: “Que a minha língua se me apegue ao céu da boca, se eu não me lembrar de ti”». Pensando nessa situação, o Pontífice sugeriu um paralelismo com a «nostalgia dos migrantes, daqueles que estão longe da pátria e querem voltar». E recordou também o canto popular genovês “Ma se ghe pensu”, ouvido durante a sua recente visita à capital da Ligúria: uma homenagem a «todos os migrantes que gostariam de ter participado na missa do Papa, mas estavam distantes, nostálgicos».

 

Foi assim, retomando a narração do Antigo Testamento, que Neemias agiu para fazer regressar o povo «à sua cidade». E «começou a viagem». Uma viagem que será «para reencontrar a cidade, para a reconstruir». Não era simples, disse o Papa: «devia convencer muitas pessoas, levar o material para construir a cidade, os muros, o templo, mas sobretudo era uma viagem para voltar a encontrar as raízes do povo».

 

Com efeito o povo, depois de muitos anos, «não tinha perdido as raízes, mas elas enfraqueceram». Era preciso «retomar as raízes», ou seja, «a pertença a um povo». De resto, explicou, «sem as raízes não se pode viver: um povo sem raízes ou que abandona as raízes, é um povo doente». Do mesmo modo «uma pessoa sem raízes, que se esqueceu das suas raízes, está enferma». Portanto, é necessário «redescobrir as próprias raízes e adquirir força para ir em frente, força para dar fruto e, como diz o poeta, “força para florescer, pois o que a árvore tem de florescido vem daquilo que tem de enterrado”».

 

Contudo, é bom considerar que «neste caminho houve muitas resistências» e que passaram anos antes que o povo pudesse chegar à assembleia litúrgica descrita na leitura. Se há «a vontade do povo de encontrar as raízes», existem também «as resistências» de quantos «preferem o exílio». Um exílio que não é só físico»: para Francisco existe até «o exílio psicológico: o autoexílio da comunidade, da sociedade, aqueles que preferem ser povo erradicado, sem raízes». Uma condição que se encontra também no homem de hoje, e que é uma verdadeira «doença»: o autoexílio psicológico «faz muito mal, arranca as raízes, priva-nos da pertença».

 

Contudo, o povo de Israel foi em frente, construiu o templo e os muros, e «reuniu-se para restabelecer a sua pertença, as suas raízes, ou seja, para ouvir a Lei». A Escritura descreve uma cena grandiosa: «Desde a manhã até ao meio-dia» o povo «estava ali, de pé ou ajoelhado; adorava, levantava-se e ouvia a palavra que o escriba Esdras lia, a palavra de Deus, a Lei explicada pelos Levitas. E o povo chorava...». Mas desta vez, frisou o Papa, «não era o pranto de Babilónia» mas «lágrimas de alegria, do encontro com as próprias raízes, com a própria pertença». Com efeito, Neemias disse-lhes: «“ide, festejai”, ou seja: “Fazei um bom jantar, tomai bebidas doces e reparti com quantos nada têm pronto. Não haja tristeza”». O Papa explicou: «O homem e a mulher que reencontram as suas raízes, que são fiéis à sua pertença, são um homem e uma mulher alegres, e esta alegria dá-lhes força. Assim, passa-se «do pranto de tristeza às lágrimas de alegria; do pranto de fraqueza por estar longe das raízes e do seu povo, ao choro de pertença: “Estão em casa”».

 

Pode ser útil para todos, sugeriu, retomar o cap. 8 do livro de Neemias «e lê-lo: este trecho é muito bonito». Pode levar-nos a perguntar: «Abandono a recordação do Senhor, da minha pertença? Sou capaz de encetar um caminho, ir em frente para encontrar as minhas raízes, a minha pertença? Ou prefiro o autoexílio, o exílio psicológico, fechado em mim mesmo?». Mas também para me questionar: «Tenho medo de chorar?». Com efeito, explicou, «se tens medo de chorar, terás receio de rir, porque quando se chora, quando se chora de tristeza, depois chora-se de alegria». Mas esta «é uma capacidade para a qual devemos pedir a graça: do choro, do pranto arrependido, triste pelos nossos pecados, mas até das lágrimas de alegria porque o Senhor nos remiu, nos perdoou e fez da nossa vida o que realizou com o seu povo». E concluiu: «Peçamos ao Senhor esta graça: de nos pormos a caminho para nos encontrarmos com as nossas raízes».

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