Missa em Santa Marta: Jonas o teimoso

Vaticano 11 outubro 2017  •  Tempo de Leitura: 9

O homem sente dificuldade para entrar na lógica de Deus e com frequência aplica um conceito de «justiça» que ressente da sua «rigidez» e «teimosia». Limitado como é ao pequeno horizonte do seu coração, não consegue compreender o modo como «o Senhor age», a sua misericórdia infinita e a sua vontade de perdão. Esclarece a história do profeta Jonas que o Papa Francisco indicou para a reflexão durante a missa celebrada em Santa Marta, na manhã de terça-feira, 10 de outubro.

 

Trata-se de uma narração bíblica proposta pela diária liturgia da palavra nos primeiros três dias desta semana. O Pontífice repercorreu o Livro de Jonas, observando preliminarmente que parece «um diálogo entre a misericórdia, a penitência, a profecia e a teimosia».

 

Antes de tudo, Jonas, «um teimoso que quer ensinar a Deus o modo como as coisas devem ser feitas». De facto, «quando o Senhor o enviou a pregar a conversão à cidade de Nínive», ele partiu «de navio na direção oposta». Isto é: «Fugia da missão que Deus lhe confiara e entregara». Contudo, os eventos ultrapassam a sua vontade: com efeito, aconteceu que devido a uma tempestade o «navio ficou em perigo» e aos marinheiros que «rezavam cada um ao próprio deus», Jonas confessa a sua culpa e pede: «Lançai-me ao mar, eu sou o culpado». Assim acontece mas, recordou Francisco, «O Senhor, que é tão bom fez surgir um peixe que engoliu Jonas e depois de três dias deixou-o na praia».

A segunda parte da história é narrada precisamente na primeira leitura de terça-feira (Jonas 3, 1-10): «A palavra do Senhor foi dirigida pela segunda vez a Jonas nestes termos: “Vai a Nínive, a grande cidade, e faz-lhe conhecer a mensagem que te ordenei”». Desta vez o profeta «obedeceu». E, observou o Papa, «vê-se que pregava bem porque os moradores de Nínive sentiram medo, muito medo e converteram-se». Graças ao seu pronunciamento, explicou, «a força da palavra de Deus chegou ao coração deles» e não obstante fosse uma «cidade muito pecadora», os seus habitantes mudaram de vida, «rezaram, jejuaram». Então «Deus viu as suas obras, isto é, que se tinham convertido da sua conduta malvada, e reconsidera o castigo que tinha ameaçado de lhes infringir e não o fez».

Poderíamos perguntar, disse o Pontífice, «Mas então, Deus mudou?». Na realidade, esclareceu o Pontífice, «mudaram eles». De facto, antes «Deus não podia entrar na vida deles porque estava fechada nos próprios vícios e pecados», depois eles «através da penitência abriram o coração, abriram a vida e o Senhor pôde entrar».

Prosseguindo a narração, o Papa antecipou também a primeira leitura de quarta-feira, na qual «a Igreja nos faz contemplar a terceira parte», isto é, o facto que «Jonas sentiu grande desgosto e ficou indignado. Jonas enraiveceu-se, porque o Senhor perdoou a cidade: “Não, tu mandaste-me, preguei. Agora deves fazer o que disseste”». Sobressai então o facto de que Jonas «era um teimoso, mas mais que teimoso, era rígido; estava doente» de «rigidez da alma». Acrescentou Francisco: «Tinha a alma “engomada”, fechada, não a podia alargar: as coisas são assim e devem permanecer assim». Por conseguinte, explicou, depois «da conversão de Nínive», ao Senhor coube «outra obra»: «a conversão de Jonas».

O Pontífice neste ponto analisou o método pedagógico utilizado pelo Senhor com Jonas. O profeta «enraivecido, sai da cidade, retira-se numa cabana». E dado que «lá o sol era forte, o Senhor faz crescer uma planta de rícino, para que tivesse sombra». Jonas – que «foi ali para observar o que acontecia à cidade, se era verdade que o Senhor a tinha perdoado» e que «talvez tivesse a esperança, ou pior, a vontade que descesse fogo do céu! Estava ali, esperava o espetáculo – na realidade «estava feliz» com esta árvore que lhe dava conforto. Contudo, «o Senhor fez de modo que aquele rícino secasse» e então Jonas «enraiveceu-se ainda mais» e, usando a mesma expressão que usara com os marinheiros, disse: «Melhor para mim morrer que viver».

Este é, explicou o Papa, o momento em que «o Senhor entra no coração de Jonas» e lhe diz: «”Parece-te correto ficar tão indignado por esta planta de rícino?”. Ele respondeu: “Sim, é justo” – estava muito irado – “sinto-me muito indignado”. Mas o Senhor respondeu-lhe “Tu tens piedade daquela planta de rícino pela qual não fizeste nada nem sequer brotar, que numa noite cresceu e numa noite morreu. E eu não deveria ter piedade de Nínive, aquela grande cidade na qual vivem mais de cento e vinte mil pessoas que não sabem distinguir a mão direita da esquerda e uma grande quantidade de animais?”». Isto é, o Senhor «manifesta a Jonas a sua misericórdia».

Eis então que a Escritura fala também ao homem de hoje. Explicou Francisco: «Os teimosos de alma, os rígidos, não compreendem o que é a misericórdia de Deus. São como Jonas: “Devemos pregar isto, que sejam punidos porque praticaram o mal e devem ir para o inferno”». Ou seja, os rígidos «não sabem alargar o coração como o Senhor. Eles são pusilânimes, com o pequeno coração fechado, apegados unicamente à justiça». Sobretudo, acrescentou, os rígidos «esquecem-se que a justiça de Deus se fez carne no seu Filho, se fez misericórdia, se fez perdão; que o coração de Deus está sempre aberto ao perdão. E mais, esquecem-se o que rezamos na semana passada na oração da coleta: esquecem-se que Deus, a sua omnipotência, se manifesta sobretudo na misericórdia e no perdão».

Para o homem, explicou o Papa, «não é fácil entender a misericórdia de Deus, não é fácil». «É preciso muita oração para a compreender porque é uma graça». Com efeito, os homens estão acostumados à lógica do «fizeste-me, far-te-ei também», à justiça do «fizeste, pagas». Mas «Jesus pagou por nós e continua a pagar».

A Jonas – «teimoso, pusilânime, rígido», que «não compreendeu a misericórdia de Deus» – o Senhor «poderia ter dito: “Desenrasca-te com a tua rigidez e com a tua teimosia”». Mas ao contrário «o próprio Deus que quis salvar aquelas cento e vinte mil pessoas, foi ter com ele para lhe falar, para o convencer». Porque é «o Deus da paciência, é o Deus que sabe acariciar, que sabe alargar os corações».

Eis, portanto, «a mensagem deste livro profético»: com o seu «diálogo entre a profecia, a penitência, a misericórdia e a pusilanimidade ou a teimosia», diz-nos que «sempre vence a misericórdia de Deus», porque «a sua omnipotência se manifesta precisamente na misericórdia». E o Pontífice concluiu a homilia aconselhando «a pegar na Bíblia e ler este livro de Jonas – é pequenino, são três páginas – e ver como o Senhor age, como é a misericórdia do Senhor, como Ele transforma os nossos corações. E demos graças ao Senhor porque Ele é tão misericordioso».

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