Os santos erram, tal como o Papa
Não é frequente ouvir um líder político ou eclesiástico admitir que errou. Por vezes pretendem mesmo passar a imagem que nunca se enganam - e raramente têm dúvidas. Na semana passada, porém, ficou a saber-se pelo Papa Francisco que os santos erram. E ele também.
"Nem tudo o que um santo diz é plenamente fiel ao Evangelho, nem tudo o que faz é autêntico ou perfeito", escreveu Francisco na "Gaudete et exsultate", a sua última Exortação Apostólica. Nela refere que na vida dos santos podemos encontrar muitos "erros e quedas".
No início da semana, o Papa assumiu que também ele pode errar. Numa carta dirigida aos bispos do Chile, admite o seu equívoco e pede perdão às pessoas que se sentiram ofendidas com as suas palavras durante a viagem que fez àquele país.
Na verdade, a infalibilidade papal - promulgada no Concílio Vaticano I, em 1870 - não se refere a tudo o que o Papa diz e faz, mas só a determinados atos que exigem adesão de toda a Igreja. Desde que foi definida só foi invocada por Pio XII, na proclamação do dogma da Assunção de Maria ao Céu, em 1950. Antes dessa promulgação, só foi reconhecida em cerca de meia dúzia de documentos papais.
Na visita ao Chile, no início deste ano, o Papa disse que não havia provas de que D. Juan Barros, o bispo que ele nomeou para Osorno em 2015, tivesse encoberto os abusos sexuais sobre menores do padre Fernando Karadima. Este sacerdote foi considerado culpado pelos tribunais da Santa Sé e suspenso em 2011.
Graças às diretrizes de Bento XVI, a Igreja Católica mudou de atitude em relação a estes crimes e passou a censurar também quem no seu interior os procurava encobrir. Por isso, os católicos chilenos não viram com bons olhos a nomeação de Barros para a diocese de Osorno e as vítimas de abusos sexuais ficaram ofendidas pelas palavras do Papa que punham em causa o seu testemunho.
Na viagem de regresso do Chile o Papa admitiu que a expressão "prova" não terá sido a mais correta e comprometeu-se a mudar de opinião se lhe fossem apresentadas evidências das suspeitas. Enviou ao Chile e a Nova Iorque o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, para ouvir as vítimas dos abusos. Este, no seu regresso, entregou ao Papa um relatório de 2300 páginas!
Depois de o ler, o Papa sentiu-se obrigado a escrever aos bispos chilenos para convocá-los para um encontro no Vaticano. Nessa carta, com humildade, diz: "No que diz respeito a mim, reconheço e quero que vocês transmitam com fidelidade que cometi graves equívocos de avaliação e perceção da situação, especialmente devido a uma falta de informação verdadeira e equilibrada. Por isso, peço perdão a todas as pessoas que ofendi e espero poder fazê-lo pessoalmente, nas próximas semanas, nas reuniões que terei com representantes das pessoas entrevistadas".
As três principais vítimas de Karadima, que acusam Barros de encobrimento, irão passar alguns dias com o Papa Francisco no final deste mês. Terão então a oportunidade de lhe expressarem, não só o que sofreram quando foram abusados, mas também como alguns clérigos os tentaram calar, difamar e desacreditar.
Desta forma, o Papa está a ensinar, com o seu exemplo, não só a reconhecer erros e a pedir perdão, mas também a tentar reparar alguns danos.
[©Fernando Calado Rodrigues]