Não há vida como a de padre!
Na quarta-feira passada completei 25 anos de sacerdócio. Por vezes dizem-me, em ar jocoso, que não há vida como a de padre. Referem-se a uma vida instalada, sem preocupações e com emprego garantido.
Costumo responder que estou mesmo convencido disso, que já me fizeram boas propostas para mudar de vida e que não as aceitei. Não pelos motivos que invocam - que são injustos, embora não completamente injustos - mas porque me sinto cada vez mais feliz e realizado nesta vocação. As crises, os fracassos e as contrariedades não esmoreceram a minha opção, antes a fortaleceram. Parece frase feita, mas é verdade!
25 anos depois continuo a pensar que não há vida como a de padre, mesmo quando a Igreja vive os efeitos de um Papa como Francisco, que não nos deixa instalar e que critica com veemência todas as mordomias que nos atribuem. Mais: é um Papa que nos empurra para a rua, para ir ao encontro das "periferias geográficas e existenciais".
Ao acompanhar tudo o que diz e faz o Papa Francisco, e relendo a sua Exortação Apostólica programática, a "Evangelii Gaudium", tenho que concluir que poderia ter feito muito mais e melhor. Muitas vezes preocupei-me mais em aplicar a lei e as normas da Igreja do que em "acompanhar, discernir e integrar a fragilidade", como o Papa propõe na "Amoris lætitia".
Fi-lo não só em relação aos divorciados recasados, mas a muitos outros fiéis que se abeiraram da Igreja pelas mais diversas razões. "É preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia" (n.oº44), escreve o Papa na "Evangelii Gaudium".
Nesta exortação o Papa dedica também vários números (135-159) à "homilia e a sua preparação", porque são "muitas as reclamações" (135). De facto, muitas vezes não tive todo o cuidado que deveria ter tido em preparar bem as palavras que dirigi aos fiéis. Por vezes falou mais o intelecto do que a vivência da fé e o testemunho. É isso, aliás, que leva muita vezes as pessoas a dizerem que o padre falou bem (quando falou...) mas não lhes disse nada.
Ainda na "Evangelii Gaudium" o Papa desafia "todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respetivas comunidades" (n.oºº33). Só esta frase obriga-nos - e obriga-me a mim - a rever toda a nossa ação pastoral. Obriga-nos a entrar numa nova dinâmica. Sem receios, porque o Papa sossega-nos ao dizer que prefere "uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às suas próprias seguranças" (n.o 49).
Graças ao Papa Francisco, sinto-me, concluída esta etapa, chamado a desvalorizar mais o supérfluo e a dar ainda mais atenção ao essencial do sacerdócio vivido ao serviço dos outros, particularmente os desfavorecidos e marginalizados. Sinto-me, perante Cristo, repartido entre a felicidade e a consciência das minhas fraquezas. Sinto-me pronto, muito pronto, para continuar.
[©Fernando Calado Rodrigues]