«A César o que é de César, a Deus o que é de Deus»
A História compreende aquilo que aconteceu; o estudo do passado humano e conhecimento da realidade dependente do exercício da memória.
Para começar entendamos aqui duas vertentes de um modo muito geral; a História de Mentalidades e a História Serial; a primeira privilegia sobretudo omodus pensandide uma mesma época e a segunda faz uso das estatísticas, ferramentas quantitativas, análises exaustivas de documentos… Michel Vovelle, por exemplo, historiador modernista francês que analisou cerca de vinte mil testamentos provençais do século XVIII para apresentar uma tese sobre uma sociedade nas suas relações com a morte, procurando explicar diferenças religiosas entre grupos sociais e de localização geográfica diversa.
Agora perdoem-me o entusiasmo inicial mas imaginem-se historiadores como Michel e cristãos simultaneamente, analisando milhares de testamentos com instruções para funerais e donativos, “ego-documentos” ou diários espirituais e perguntando-se pela história do invisível, do interior humano, das ligações espirituais…
Sabemos que na Época Moderna a Cristandade perdeu terreno para “César” numa inevitável luta entre a razão e a fé:
«Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas?Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro. E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta inscrição?Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mt 22:17-21)
Aqui sabemos que Jesus não era senão uma pessoa, uma pessoa que não se apresenta como lei nem como profecia mas como uma pessoa que opera a lei e a profecia para aqueles que O contemplam.
Acontece-me com frequência andar como os discípulos mas numa indumentária mais contemporânea (ainda que para mim o linho esteja particularmente in) de rosto voltado para o chão e a tropeçar nas “moedas de César”, porque sou distraída mas não quero “partir” a fé que seguro nas mãos, já com os olhos semicerrados de sono num dia particularmente difícil.
O caminho de minha casa até à Igreja mais próxima leva cerca de três minutos e tem duas passadeiras pelo meio, como se não bastasse saber que também tropeço nas saliências listradas das passadeiras, ainda sei que me detenho à porta como Simone Weil porque “Só Deus basta” (Teresa D’Ávila).
E é no seio do amor invisível e nos pés que se detém à porta que penso; que a tendência de institucionalizar uma “Igreja Invisível” onde nos permitimos confortavelmente comungar apenas com as nossas irmãs e irmãos em Deus, recusando a Igreja como instituição, não nos impeça de fazer também parte dela, abanar as suas estruturas, levantar o pó, sacudir as tapeçarias, polir os azulejos e restaurar os quadros criando dinâmicas de abertura àqueles que procuram um acolhimento baseado no amor e não nas suas escolhas, afirmações e experiências pessoais.