Há pessoas simples e outras simplistas. Existem escolhas simples e outras complicadas. O que é simples pode ser complexo, mas não complicado. E perceber o que distingue o simples do complexo, e quais as razões para interagirem, pode abrir-nos novas perspectivas sobre a realidade e a vida.
Imaginem a mensagem fundamental que pretendem transmitir a alguém. Ninguém está isento de rodear a mensagem com tantos detalhes que se torna quase impossível perceber bem o que o outro quer dizer. Na prática, os rodeios são ruídos introduzidos na mensagem e questiono-me sobre a razão para cedermos tantas vezes a essa tentação.
Quando sinto estar, com os rodeios, a afastar-me da mensagem que queria comunicar, apercebo-me de que os rodeios são como justificações que considero importantes para o outro compreender a mensagem. Mas o resultado acaba por ser o inverso do que desejava. Pois, os rodeios ligam o “complicómetro” que pode tornar uma mensagem bem simples, numa tremendamente complicada. Isso não implica, necessariamente, que a mensagem não seja complexa.
Uns investigadores da Universidade de Brown colocaram bactérias dentro de uma gota de água. E, sem qualquer causa aparente, essas bactérias formaram um vortex bi-direcional com as que estavam no centro a mover-se na direcção oposta às que estavam na periferia. É o que na linguagem da complexidade chamamos de comportamentos “emergentes.” No coração da simplicidade reside a complexidade.
Por vezes temos a tendência para ver apenas as coisas simples a partir de fora, mas quando as contemplamos por dentro percebemos a complexidade a elas subjacente. Por exemplo, em 1950, Claude Shannon, o pai da era da informação, mostrou um rato chamado Theseus a explorar um labirinto e chegar à saída, sem conhecer o trajecto.
Shannon com o Theseus
Visto de fora parece bastante simples, mas por baixo do labirinto, viam-se inúmeros componentes electrónicos e fios, ou seja, a imagem de uma complexidade incrível. Seremos, como humanos, assim tão diferentes?
Por detrás do coração de cada pessoa simples estará uma complexidade de emoções e pensamentos. Mas não podemos confundir complexidade com caoticidade. As coisas complexas como as estruturas dos flocos de neve possuem padrões de uma beleza ímpar. Por isso, penso que a complexidade no interior de um ser humano, aparentemente, simples, será o sinal de que dentro dele, os padrões encaixam num todo coerente e harmonioso.
Uma pessoa simples possui um coração simples por encontrar harmonia nas vicissitudes da vida, desapegada dos preconceitos, e com a mente aberta a novas possibilidades que enriqueçam o coração de profundidade.
Quem crê em Deus vê na Sua pessoa o que é simples. Quando S. João diz numa das suas cartas que “Deus é amor,” é uma afirmação simples. Mas há quem pense que amar é uma experiência complexa, feita de emaranhados (em vez de entrelaçados) de emoções e escolhas que podem levar muitas pessoas à depressão. Complexa ou complicada?
Como pode ser o amor simples? E se Deus é amor, dificilmente será simples. Aliás, ateus como Richard Dawkins dizem que Deus é de tal modo complexo que isso revela como é ínfima a probabilidade da sua existência. Pois, quanto mais complexo é um sistema, menor é a probabilidade de existir.
Talvez Dawkins esteja apenas a complicar.
Se entendermos que amamos na medida em que nos damos aos outros e às circunstâncias, se não o fizermos de modo simples iremos complicar. Sabemos que a interioridade que nos estrutura pode ser um entrelaçar de muitos fios condutores da nossa história, como as tapeçarias. O lado que os outros veem mostra um padrão, imagem, beleza. Mas por detrás vê-se apenas o emaranhado de fios que só o tecelão conhece.
Quando queremos controlar tudo na nossa vida, as complicações dos emaranhados emocionais e racionais, podem levar-nos a perder o horizonte de beleza que se vê do outro lado. Mas quando deixamos Deus ser o nosso Tecelão, a vida é feita de múltiplos e simples actos de amor diante das situações que se apresentam em cada momento presente.
Simples é o coração daquele que sabe fazer silêncio quando os outros gritam; sabe dar um abraço quando todos os outros se afastam; sabe oferecer uma palavra breve como gota de água para o coração sedento; “sabe” porque a sabedoria pertence aos simples.
Do mesmo modo que não é a manteiga que engorda, mas nós, também não é a vida que complica, mas nós que a complicamos. “Descomplicar” é purgar os desejos da ânsia de querer controlar tudo e viver desapegado das nossas ideias. Pois, ser simples é ser livre.