JC não serve para gestor de recursos humanos

Crónicas 17 abril 2017  •  Tempo de Leitura: 8

Não destituir Pedro, depois da sua tripla negação, era pior do que pôr ao leme da Igreja o comandante do Costa Concórdia. Era negligenciar o bem da Igreja. Contudo JC manteve Pedro como CEO da Igreja.
 
Há já alguns anos, escandalizei alguns devotos com uma publicação intitulada “Os defeitos de Maria”. Soube depois que o livro, apesar do prólogo de um cónego, o nihil obstat de outro e o imprimatur do vigário-geral do patriarcado de Lisboa, não entrou em certas casas. Decerto que esses escandalizados fiéis, se me vissem por perto, me teriam borrifado com água benta, coisa que só não aconteceu porque tive a feliz ideia de, com todo o respeito, me borrifar para esse seu escrúpulo. Nem sei o que me teria acontecido se tivesse tido o atrevimento do Cardeal vietnamita F. X. Nguyen van Thuan, falecido com fama de santidade, que ousou dizer que, o que mais admirava em Jesus Cristo – JC para os amigos – eram os seus defeitos!

Ainda que de forma modesta, não queria deixar de contribuir, este sábado de Aleluia, para esse maior amor a JC, precisamente pelo mais cabal conhecimento de alguns dos seus defeitos, qual a sua manifesta incompetência em questões de recursos humanos.

A equipa que formou, com aqueles doze homens, os apóstolos, já não foi um acerto, se se tiver em conta que, entre eles estava o traidor, Judas Iscariotes. Os outros, diga-se de passagem, também não eram muito melhores: na final, que se jogou no monte Calvário, todos desertaram, com a excepção de João, o discípulo adolescente, o único que ficou, com Maria e algumas mulheres, junto à Cruz do Senhor.

Mais grave ainda foi a escolha do capitão da equipa, um tal Simão, a quem ele teve a infelicidade de mudar o nome para Pedro pois, como depois se viu, a fortaleza não era, valha o paradoxo, o seu forte. De facto, apesar de ter jurado antes morrer do que ser infiel ao seu Mestre, a verdade é que Simão, no espaço de poucas horas, negou, por três vezes, JC!

Se Pedro tivesse negado Cristo diante de Anás e Caifás, ou de Pôncio Pilatos, ou ainda do rei Herodes, mesmo que não se pudesse justificar a sua infidelidade, poder-se-ia compreender a sua fraqueza. Mas a sua cobardia foi diante da porteira, de um parente de Malco – aquele a quem Pedro cortara a orelha que o Senhor curou naquela que foi, pela certa, a sua última cura milagrosa e a primeira operação plástica da história – e de outras pessoas sem poder para o acusar, prender ou matar. Mesmo assim, Pedro negou, três vezes, ser discípulo de JC. Depois, desapareceu na noite, para só reaparecer na madrugada do primeiro dia da semana, o da ressurreição do Mestre.

Nesse dia Jesus, depois de se encontrar com as santas mulheres que foram ter ao sepulcro, bem como com Maria Madalena, que o confundiu com o jardineiro do horto onde estava a sepultura, apareceu também a Pedro, antes ainda de comparecer diante dos restantes apóstolos, com a excepção de Tomé, que estava ausente e, por isso, só viria a acreditar na ressurreição do Mestre uma semana depois, quando viu e tocou, com as suas mãos incrédulas, as chagas do crucificado.

O que aconteceu, nessa aparição particular a Simão, ninguém sabe nada, porque os Evangelhos são omissos sobre este particular. Mas é fácil imaginar o que JC deveria então ter dito ao desleal capitão de equipa:

– Simão! Como sabes, depois de eu te ter prevenido da tua tripla negação, que tu protestaste com juramento, a verdade é que me traíste por três vezes. Se dois amarelos já dão direito à expulsão do campo, três faltas graves é demais! Tens que compreender que a Igreja não pode ser pior do que a equipa de Canelas que, por menos do que isso, expulsou um jogador do seu plantel. Tem que haver alguma moralidade e um mínimo de competência! Como estás arrependido, eu perdoo-te e continuamos amigos, mas já não tens condições para ser o capitão da equipa. Desculpa, mas sobrevalorizei-te quando que te promovi a CEO. Foi erro meu: nunca deverias ter deixado a pesca!

Para Pedro, a despromoção, para além de lógica e justa, seria até um alívio, mas quem ocuparia o seu lugar?! Nosso Senhor teria então que escolher um novo capitão para a equipa apostólica. Mas nem isso parecia difícil:

-Aproveitei estes dias no sepulcro para rever os vossos currículos: João é, sem dúvida, o melhor! Repara que, apesar de jovem, foi o único que não fugiu da Cruz e, por isso, foi a ele que confiei a minha Mãe. Aproximam-se tempos de perseguição para a Igreja, que só terminarão no fim do mundo, e João, que é mais novo e forte do que tu, é mais capaz de lhes fazer frente. Os cristãos dificilmente obedeceriam a um apóstolo que, como tu, me negou três vezes e a quem até chamei Satanás (cf. Mt 16, 23), mas a ele respeitarão, porque foi o meu confidente, também na última ceia quando lhe disse, só a ele, o nome do traidor. Sim, João é o apóstolo que tem o perfil ideal para ser o primeiro Papa!

Qualquer sofrível gestor dos recursos humanos teria procedido deste jeito, destituindo Simão, dada a sua manifesta deslealdade e incompetência, e nomeando, para capitão da equipa, João. Manter Pedro, depois do seu triplo falhanço, era pior do que pôr ao leme da Igreja o comandante do Costa Concórdia! Era apostar no naufrágio da barca na sua viagem inaugural, qual Titanic! Era negligenciar, de forma grave, o bem das almas! Era comprometer definitivamente, a Igreja e o seu projecto de salvação universal!

E, contudo, Jesus manteve Pedro como CEO da Igreja! Mais pôde o seu amor e compaixão do que a inabilidade e traição do apóstolo! Também hoje, é com outros Pedros pecadores, que Jesus quer continuar a sua aventura de amor e redenção.

Obrigado, Senhor, por nos teres convocado para a tua equipa! Nós, que nem na pior da última distrital teríamos direito a jogar, graças a ti, Mister, pertencemos à selecção! Bendita e louvada seja, pelos séculos dos séculos, a tua incompetência em recursos humanos!

 

[©P. Gonçalo Portocarrero de Almada | Observador]

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