Uma história de amor
Vejo-os da minha janela. Caminham sem pressas. Afinal de contas agora quem dita o ritmo é a sabedoria dela sobre a vida. Eles apenas a auxiliam. Eles dão-lhe somente o equilíbrio necessário para que os seus passos continuem firmes e não percam a sensação de se pisar o chão. Descobriram, juntos, o encanto de se estar para o outro. De se dar ao outro. De se necessitar do outro.
Observo com delícia as suas brincadeiras. Regressaram efetivamente à infância, não porque façam infantilidades, mas porque redescobriram a beleza da simplicidade. Redescobriram a alegria que acontece quando se está na vida de cada um. Sem complicações. Sem preocupações mundanas. Redescobriram que a felicidade acontece no apenas chegar, ficar e estar incondicionalmente.
Encanto-me a ouvir as suas gargalhadas. São mais as deles. Ela apenas sorri ou mantém a cara séria de quem quer levar a brincadeira ou a piada até ao fim. Riem-se com ela. Estão a comemorar a vida que tiveram e a que estão a ter. Apesar de todas as circunstâncias e de todas as mudanças continua a existir motivos para se festejar o dom que acontece nas suas vidas.
Delicio-me apesar de todos os momentos de dúvida e de angústia. Afinal de contas, têm-me dado a conhecer a beleza que existe por trás da idade avançada, por trás da perda de competências e por trás da memória que antes era a sua melhor amiga e que agora se tornou na sua amiga mais traiçoeira. Trocou as certezas das datas decoradas pelas histórias sem fim. Trocou a alegria do reconhecimento pelos nomes que já não lhe fazem sentido. Trocou a realidade deste mundo por um outro. Um que lhe foi oferecido sem querer. Sem lhe terem pedido autorização.
E eu aprecio. Vivo. Deixo-me estar com a certeza de que a sorte é poder presenciar todos estes momentos. São eles que me falam de como o amor pode suportar tudo. De como o amor pode-nos elevar quando nós já nem temos forças para o fazer. São todos estes episódios que me fazem saber como se ama e como se sabe que se é amado.